15 dias pela autonomia das mulheres rurais
Os papéis desempenhados pelas mulheres rurais são tão numerosos quanto suas lutas e vitórias. O que não faltam são histórias de vida inspiradoras. No entanto, ainda não possuem o reconhecimento merecido. Sofrem com o preconceito, com a desigualdade de gênero e com outros problemas que herdaram da vida. Ainda há um longo caminho para o equilíbrio de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. A fim de mostrar que equidade de gênero e respeito são valores necessários cotidianamente, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou que 2018 seria o Ano da Mulher Rural.
Pensando nisso, a partir do primeiro dia do mês de outubro, inicia-se, no portal, uma série de matérias que fazem parte da Campanha Regional pela Plena Autonomia das Mulheres Rurais e Indígenas da América Latina e do Caribe - 2018. Serão 15 dias de ativismo em prol das trabalhadoras rurais que, de acordo com o censo demográfico mais recente, são responsáveis pela renda de 42,2% das famílias do campo no Brasil.
Na Zona da Mata mineira, na cidade de Cajuri, a 245 km da capital do estado, Maria Emília Campos, de 34 anos, é exemplo na batalha em prol da autonomia plena das mulheres rurais. A luta começou em 2005, na escolha do que estudar na faculdade: agronomia. De malas prontas, a filha de agricultores partiu para a cidade com o desejo da realização de um sonho no bolso. Ao chegar, a realidade era outra. Em um ambiente de ensino majoritariamente ocupado por homens, Maria aguentou diversos comentários, vindos de outros alunos, que colocavam em dúvida a sua capacidade. “Cheguei a ouvir até mesmo de professores piadas de que mulher tinha medo de sujar as unhas de terra. Nunca pensei ter que passar por esse tipo de situação em pleno século XXI. ”
Após cinco anos de estudos e esforços, o momento da graduação chegou. A preocupação de passar em provas e apresentar trabalhos deu lugar à vontade de se inserir no mercado de trabalho. “Enviava currículos e não era selecionada. Uma vez cheguei a passar no processo seletivo e na hora da contratação ouvi do chefe que eles preferiam contratar um homem a me contratar”, declara Maria. Dois anos se passaram e a procura por emprego se tornava cada dia mais difícil. Nesse período, a filha de agricultores adoeceu devido aos pensamentos de não ser boa o suficiente para desempenhar o que havia estudado.
Depois de tanto procurar um local para trabalhar, Maria Emília se deu conta de que o emprego sempre esteve mais perto do que imaginava. Ela voltou para o campo decidida a aplicar os ensinamentos da faculdade na propriedade de seu pai. Mesmo em casa, percebeu que não seria tão simples quanto imaginava. “Por mais que eu venha de uma família que não há desigualdade de gênero, eu sei que há décadas existe uma preocupação com relação ao empoderamento, mas existe algo que acompanha a nossa história, que talvez esteja evoluindo aos poucos, que é a cultura. E na minha vida, eu trabalho justamente com essa mudança, porque somos parte de uma cultura machista que nos fragiliza e nos vitimiza. ”
Logo que voltou para a cidade natal, foi convidada para estar à frente da Secretaria Municipal de Assistência Social do município. Maria Emília teve contato com várias histórias que mudavam apenas de nome e sobrenome. “Eu tive contato com vários tipos de discriminação da mulher, de abusos, da desvalorização, do menosprezo, da baixa autoestima. O que me chamava atenção era que essas mulheres não nasceram se sentindo assim, elas aprenderam a ser assim. E a partir daí, passei a prestar mais atenção na questão de gênero. Apesar do meu curto período na secretaria, ele serviu de aprendizado para minha vida. ”
Ao analisar a vida das mulheres que conheceu, Maria criou a coragem para assumir a própria propriedade e andar sozinha. Em um sítio cedido pelo pai, ela começou a plantação de flores. Toda quinta-feira é sagrada. Ao primeiro sinal do raiar do sol, Maria Emília, desperta com destino ao campo. É dia de fazer a colheita das flores cultivadas por esta mulher com tanto carinho. Hoje, além de todo o trabalho desenvolvido no campo, participa de um grupo de 16 produtores de flores e segue na luta para que todas as mulheres tenham autonomia plena.