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Capítulo 1 Introdução

1.1. Um enfoque global da educação nutricional

Na década de oitenta realizou-se uma completa revisão dos conceitos, estratégias e métodos utilizados na educação nutricional. Tradicionalmente, a educação nutricional consistia em orientações oferecidas nos centros de saúde e serviços de extensão, com um emprego muitas vezes inadequado de algumas técnicas educativas, sobretudo de palestras, utilizada indiscriminadamente e como uma fria transmissão de conhecimentos. Os conteúdos, muitas vezes baseados na descrição dos “nutrientes”, eram selecionados pelo educador sem contar com uma análise racional da problemática do educando, que englobasse seu contexto psicosocial, cultural e econômico.

Este tipo de educação nutricional, chamada “tradicional”, tem sido objeto de numerosas análises. Atualmente, considera-se que este enfoque não é efetivo, porque leva o educando a assumir uma atitude passiva no processo de ensino-aprendizagem, ignorando o sentido ativo que deve caracterizar dito processo, por parte tanto dos educadores como dos educandos. Por outro lado, menciona-se neste enfoque a análise limitada ou inexistente das causas da má nutrição, além da utilização de um único canal de comunicação, o interpessoal (entre o educador e um indivíduo ou um grupo).

Durante as duas últimas décadas, equipes interdisciplinares, em colaboração com pessoas envolvidas em ações educativas com a comunidade, têm desenvolvido novos enfoques da educação nutricional. O enfoque apresentado neste Manual baseia-se no trabalho realizado pela Rede para a Educação Nutricional na África (RENA). Esta rede desenvolveu suas experiências sobretudo nos países da África de língua francesa. O marco teórico deste enfoque foi desenvolvido em um documento do qual se utilizarão alguns elementos que são de interesse para este guia.

Inicialmente é necessário esclarecer o marco de referência do enfoque que se apresenta neste roteiro. Em educação nutricional existem duas situações distintas: a educação individual e a educação coletiva.

A educação individual é uma comunicação durante a qual existe um contato pessoal entre o agente de extensão (de saúde e outros) e um membro da comunidade, com a finalidade de melhorar seu estado nutricional e o de sua família. Este enfoque está fora do âmbito deste guia.

A educação coletiva (que será tratada neste guia), consiste em intervenções para melhorar as condições de saúde, nutrição e outras, da população em geral. A educação nutricional utiliza a comunicação social para alcançar mudanças de médio ou longo prazo nas condutas indesejáveis da população, com relação à alimentação. Quando a comunicação interpessoal faz parte desta estratégia, ela possui um papel complementar, porque reforça as atividades destinadas a modificar esta conduta indesejável de todo o grupo e não só a de um indivíduo isoladamente.

O que se entende por comunicação social?

Neste guia, define-se a comunicação social como: “o conjunto de normas, implícitas ou explícitas que regem a forma com que interagem os indivíduos de uma mesma cultura. Neste sentido, a comunicação social é a expressão da cultura”.

A educação nutricional coletiva consiste em intervenções na comunicação social (atualização de normas), com a finalidade de modificar os hábitos alimentares indesejáveis.

As práticas familiares durante as refeições estão determinadas por regras tácitas que variam de cultura para cultura. Numa cultura, as crianças comem na mesma mesa com seus pais, em outras não. Numa cultura, a maior porção de carne é dada instintivamente à criança, enquanto em outras ela é dada aos homens que trabalham. Estes são exemplos de normas implícitas de conduta. A soma dessas normas é o que se denomina de “comunicação social”.

Para obter êxito nessa tarefa, toda atividade de educação nutricional deve basear-se em um cuidadoso estudo das condutas, atitudes e práticas dos grupos populacionais atendidos. Deve-se também fazer um considerável esforço no campo da comunicação, já que somente as estratégias de utilização de multimeios (utilização de vários canais de comunicação), podem enfrentar um desafio tão ambicioso.

Neste contexto, define-se a educação nutricional como: “o conjunto de atividades de comunicação destinado a melhorar as práticas alimentares indesejáveis, mediante uma mudança voluntária das condutas relacionadas com a alimentação, tendo como finalidade a melhoria do estado nutricional da população”.

1.2. Características do enfoque proposto

Participação da comunidade

A participação da população nos esforços para resolver os problemas que lhes afetam, é atualmente reconhecida como uma necessidade pela maioria dos especialistas em desenvolvimento. Esta participação é particularmente importante em educação nutricional, porque seu objetivo é modificar condutas indesejáveis, que podem estar profundamente arraigadas no contexto social e cultural dos interessados.

Pode-se obter esta participação integrando representantes da população nas equipes de planejamento, grupos de trabalho, nos quais se desenvolvem programas, projetos ou intervenções diretas em educação nutricional, voltados para a melhoria das condições de nutrição existentes. Além disso, deve-se considerar a participação sistemática da população em todas as etapas do planejamento de uma determinada intervenção, que incluam desde o diagnóstico até a avaliação.

Recentemente, iniciou-se na Tailândia um programa para prevenir a deficiência de vitamina A. Os organizadores do programa decidiram promover a produção e consumo de abóbora que é particularmente rica em vitamina A. Esta decisão foi tomada depois de discutir-se com os representantes das comunidades envolvidas. Realizaram-se entrevistas com mães, dirigentes da comunidade e agentes de saúde. A implementação das atividades de comunicação foi delegada a grupos e instituições reconhecidos pela comunidade. Para a avaliação deste programa, foram chamados voluntários que trabalhavam no projeto, bem como membros das comunidades locais.

Ação global para o desenvolvimento

As intervenções de educação nutricional não deveriam se desenvolver de forma independente, mas fazendo parte de programas mais amplos destinados a melhorar as condições de saúde, nutrição, nível de renda, meio ambiente, etc., num contexto de desenvolvimento sócio-econômico que tenha por finalidade melhorar a qualidade de vida da população. A educação nutricional deveria ser parte desta estratégia para o desenvolvimento e não um fim em si mesma.

Num projeto realizado em Iringa, Tanzânia, a comunicação foi o catalizador necessário para o desenvolvimento de projetos pelos membros da comunidade. Nas ações de educação nutricional realizadas, a forma como utilizou-se a comunicação em temas de nutrição, culminou com um projeto extremamente bem sucedido. A comunicação em nutrição conduziu à realização vitoriosa de projetos, com a participação ativa e a mobilização das comunidades locais, desenvolvendo projetos de melhoramento das condições de saúde, água potável, produção agrícola, etc. Todas estas ações contribuíram para uma significativa redução da prevalência de desnutrição na província de Iringa.

Considerações intersetoriais e interdisciplinares

A educação nutricional é uma atividade que requer a participação ativa de especialistas de diferentes setores: Educação, Comunicação, Agricultura, Horticultura, Saúde Pública, Nutrição, Comércio e Indústria e outros. A análise das causas da má nutrição revela que esta é o resultado da interação de múltiplos fatores, requerendo uma estratégia intersetorial. Mesmo em ações realizadas em comunidades isoladas, necessita-se de um esforço interdisciplinar (por exemplo: colaboração entre o professor, o agricultor e o trabalhador de saúde). Para realizar um trabalho interdisciplinar, é essencial a colaboração intersetorial, porque é muito difícil encontrar especialistas de todas as disciplinas necessárias numa mesma instituição. O enfoque de multimeios, devido ao uso de diversos canais de comunicação, requer atividades intersetoriais que geralmente implicam na participação de diversos organismos do Estado e de outras instituições.

Adoção de um método de planejamento racional

Muitas intervenções nos campos da agricultura, saúde ou nutrição, destinadas a provocar mudanças de hábitos indesejáveis, não obtiveram o êxito esperado devido a um planejamento inadequado. É cada vez maior o número de agentes de desenvolvimento que recorre ao planejamento por objetivos, para planejar seus projetos.

A educação nutricional é efetiva somente quando se baseia em:

O desenvolvimento de um processo de avaliação contínua também é necessário para reorientar as estratégias e atividades em curso, num projeto de intervenção.


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