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SESSÃO 4: FACTORES QUE AFECTAM A SEGURANÇA ALIMENTAR E O ESTADO NUTRICIONAL DAS FAMÍLIAS


OBJECTIVO

No fim desta sessão, os técnicos de campo deverão ser capazes de:

· compreender o sistema alimentar local e os diferentes factores que contribuem para a segurança alimentar das famílias;

· compreender as interacções entre a segurança alimentar das famílias, a

· sua saúde e os cuidados para determinar o bem-estar nutricional dos seus membros.

FIGURA 4.1
Os grupos de alimentos

ABORDAGEM GERAL

A possibilidade de dispor de alimentos suficientes de boa qualidade para o consumo familiar depende de vários factores. A produção familiar é um dos meios que permitem assegurar que a família disponha permanentemente de alimentos. Contudo, para produzir alimentos variados em quantidade suficiente, na horta ou nos campos, é preciso ter acesso a recursos adequados, nomeadamente terra, água, sementes, equipamento, conhecimentos, competência e mão de obra. As estradas e os meios de transporte para os mercados são necessários para a compra ou venda de alimentos e de outros artigos essenciais. Os membros da família também necessitam de ter acesso aos serviços públicos e comerciais, assim como a emprego fora da exploração agrícola, durante os períodos de baixa actividade agrícola.

Nas zonas rurais onde a possibilidade de ganhar dinheiro é limitada, a capacidade de produzir a maior parte dos alimentos na horta e nos campos, não precisando de os comprar no mercado, garante uma melhor segurança alimentar das famílias. Esta segurança é tributária de um aprovisionamento alimentar regular e durável, durante todo o ano. Porém, em muitas zonas rurais, as famílias confrontam-se muitas vezes com a escassez de alimentos, porque a produção vegetal é sazonal e por vezes insuficiente. A presente sessão revê os factores que contribuem para a segurança alimentar das famílias, assim como os seus efeitos no padrão alimentar e no estado nutricional. O modelo causal da malnutrição elaborado durante a Sessão 2 é utilizado para estudar o papel desempenhado por outros factores, tais como os cuidados adequados às crianças, a saúde e a higiene, no estado nutricional.

No fim desta sessão, os participantes analisarão mais pormenorizadamente os problemas e os constrangimentos que existem no sistema alimentar, começando pela produção alimentar e terminando no consumo alimentar e na utilização dos alimentos ingeridos. Apoiando-se nos seus conhecimentos e na experiência adquirida junto das comunidades locais, os membros do grupo devem explorar os meios que poderão permitir às famílias resolver alguns dos problemas identificados.

ACTIVIDADES

Discussão. Depois de ter apresentado os objectivos da presente sessão, o formador reporta--se ao modelo causal da malnutrição elaborado pelos técnicos de campo, e pede-lhes que pensem em todos os factores que favorecem o acesso das famílias a uma alimentação suficiente, durante todo o ano. Antes de iniciar a discussão em pequenos grupos, o formador introduz em sessão plenária o conceito de sistema alimentar local, pedindo aos participantes para referirem todas as etapas do sistema alimentar, da produção ao consumo. A discussão que se segue, em pequenos grupos, deve centrar-se nas seguintes questões:

Trabalho em grupos pequenos. Os participantes dividem-se em grupos e cada grupo considera as questões acima mencionadas. O formador distribui uma cópia do Quadro 4.1, "Problemas no sistema alimentar local e possibilidades de melhoramento", a cada grupo, deixando em branco a coluna 2, "Problemas no sistema alimentar"; pede aos grupos para enunciarem todos os problemas e obstáculos existentes nas comunidades locais com que trabalham. Este exercício deve ser seguido de uma discussão sobre as causas possíveis destes problemas, sobre o modo de os abordar e sobre os meios de melhorar a situação.

Apresentação dos resultados. Cada grupo apresenta os resultados das discussões em sessão plenária. Em seguida, os vários grupos elaboram uma lista final dos problemas e dos obstáculos, assim como uma lista dos meios que existem no sistema alimentar local para melhorar a segurança alimentar das famílias. Para esta apresentação pode ser utilizado «papel gigante» ou outro material didáctico disponível .

Resumo das apresentações de grupo. O formador resume os principais resultados e conclusões da discussão, que servirão como informações gerais para as Sessões 7 e 8.

Resumo da sessão. Com base no que os agentes de grupo aprenderam, o formador conclui a sessão fazendo um resumo sobre a interdependência existente entre os diferentes factores que afectam a segurança alimentar das famílias e o resultado nutricional. O formador analisa igualmente o papel que desempenham os conhecimentos, a educação, as diferentes actividades e responsabilidades das mulheres e dos homens, assim como o acesso aos recursos e sua respectiva utilização, na melhoria global da nutrição.

MATERIAL NECESSÁRIO

QUADRO 4.1
Problemas no sistema alimentar local e possibilidades de melhoramento

Etapas do sistema alimentar

Problemas no sistema alimentar

Causas

Possibilidades de melhoramento

Recursos naturais

· Terras insuficientes
· Regime de posse precário
· Terra pouco fértil
· Escassez de água
· Longas distâncias da casa



Preparação e limpeza da terra

· Poucos adultos na família
· Falta de utensílios



Produção agrícola

· Diversidade limitada de culturas
· Culturas comerciais em vez de culturas alimentares
· Falta de sementes e de material de plantio
· Má qualidade das sementes e do material de plantio
· Consumo das sementes
· Predominância das culturas introduzidas em relação às locais
· Conhecimento insuficiente das culturas que dão melhores resultados nutricionais e outras vantagens
· Práticas de cultivo impróprias
· Mau espaçamento e distribuição desigual das sementes
· Infestação de pragas e ervas daninhas
· Factores de produção limitados
· Visitas pouco frequentes dos extensionistas às famílias
· Inexistência de conselhos dirigidos às mulheres pelos serviços de extensão agrícola



Colheita

· Estragos causados por pragas
· Perdas alimentares



Armazenagem dos alimentos

· Falta de recipientes de armazenagem adequados
· Insuficiência de alimentos armazenados
· Falta de conhecimentos sobre bons métodos de armazenagem



Distribuição e comercialização dos produtos alimentares

· Mercados longe da área da produção
· Maus sistemas rodoviários e de transporte
· Venda de alimentos na época da colheita
· Armazenagem familiar inadequada



Compra

· Falta de dinheiro
· Dificuldade de obter alimentos frescos
· Preço elevado dos alimentos



Processamento e preparação dos alimentos

· Falta de equipamento apropriado para o processamento / moagem
· Falta de lenha
· Falta de tempo das mães para prepararem os alimentos
· Falta de recipientes de armazenagem apropriados
· Falta de conhecimentos para a preparação dos alimentos certos
· Falta de conhecimentos para uma preparação adequada de alimentos
· Pouco prestígio atribuído aos legumes verdes
· Cozedura muito prolongada dos legumes verdes



Distribuição dos alimentos no seio da família

· Porção insuficiente reservada às crianças
· Demasiadas pessoas a alimentar na família
· Existência de tabus alimentares para alguns dos membros da família
· Falta de informação sobre as necessidades alimentares dos diferentes grupos etários



Consumo

· Falta de apetite por doença
· Alimentos muito volumosos para as crianças pequenas
· Paragem no aleitamento materno, quando a criança atinge os 12 meses de idade
· Número insuficiente de refeições para as crianças (só duas refeições por dia)



Saúde e higiene

· Higiene alimentar deficitária
· Falta de água potável
· Poço muito distante
· Doenças infantis frequentes
· Ausência das mães nas sessões mensais de acompanhamento e vigilância do crescimento das crianças



Fonte: FAO, 1999, Field programme management: food, nutrition and development. Roma.

NOTAS TÉCNICAS

Mensagens prioritárias

1

A segurança alimentar, os cuidados e a saúde das famílias são elementos essenciais para garantir uma boa nutrição a todos os seus membros

2

O equilíbrio nutricional pode ser alcançado através da diversificação alimentar e da diversidade biológica

A segurança alimentar, os cuidados e a saúde das famílias são elementos essenciais para garantir uma boa nutrição a todos os seus membros

A segurança alimentar das famílias. Esta foi definida na Sessão1 como o "acesso de todos os indivíduos, em qualquer momento, aos alimentos necessários a uma vida saudável". As famílias podem abastecer-se em géneros alimentícios graças à sua própria produção ou aos produtos comprados, mas fazem-no geralmente pela combinação dos dois casos. Certos factores ajudam as comunidades a ter suficientes alimentos variados ao nível familiar. Citemos, nomeadamente, o acesso a água suficiente, a terra fértil, a sementes, ao material de plantio, a utensílios agrícolas, a conselhos técnicos, ao crédito, a um bom sistema de armazenagem. A juntar a estes, um número suficiente de membros saudáveis da família, suficientemente robustos para trabalhar no campo e arranjar emprego fora da exploração agrícola.

Contudo, muitas comunidades rurais não têm, durante todo o ano, acesso a quantidades suficientes de alimentos de base frescos ou conservados, e o seu acesso aos legumes e frutos frescos é muitas vezes sazonal. As famílias vendem frequentemente demasiados alimentos, seja porque precisam de dinheiro, seja porque as possibilidades de armazenagem e de conservação dos alimentos por períodos longos são insignificantes ou inexistentes.

As famílias podem recorrer a estratégias variadas para assegurar um acesso contínuo a uma variedade de alimentos nutritivos. Estas estratégias incluem a produção de alimentos na horta durante todo o ano (desde que haja água suficiente) e a conservação, processamento e armazenagem adequada dos alimentos. As famílias podem assim precaver-se contra as quebras sazonais, mas tal implica planificar antecipadamente e reflectir sobre a forma mais eficaz de utilizar os recursos disponíveis de modo evitar os períodos de fome. As opções tecnológicas apropriadas permitem aumentar a produção das hortas, assim como transformar e conservar os alimentos de base perecíveis, tais como as leguminosas, os legumes e os frutos, afim de garantir reservas e melhorar o valor comercial dos produtos.

Os cuidados. A segurança alimentar das famílias é uma condição essencial a uma alimentação adequada, mas não garante sempre um bom estado nutricional. Este último necessita de atingir níveis satisfatórios, nomeadamente nas crianças pequenas e nos membros da família mais vulneráveis no plano nutricional. Uma tal atenção supõe conhecimentos sobre as necessidades alimentares e nutricionais dos diferentes membros da família. Os conhecimentos ajudam a pessoa responsável pela prestação de cuidados à família, geralmente a mãe, a tomar as decisões certas sobre os tipos de alimentos, as quantidades a preparar e a servir às crianças e aos adultos durante as refeições. Para além dos conhecimentos e da experiência na área da nutrição, esta pessoa deve igualmente dispor de tempo suficiente para cuidar das crianças e preparar a alimentação.

Em muitas culturas africanas, as mulheres são as principais responsáveis pela produção de alimentos e pela prestação de cuidados à família. Também têm muitas outras responsabilidades, como ir buscar a água e a lenha, armazenar, transformar e vender os alimentos. Nas épocas de grande actividade agrícola, corre-se o risco de negligenciarem os cuidados e a alimentação das crianças. Porém, apesar destes obstáculos, existem várias soluções que permitem às famílias cuidar melhor dos seus membros mais vulneráveis. Podemos mencionar as tecnologias que permitem poupar tempo às mulheres, por exemplo no que se refere ao abastecimento de água. Outras soluções estão mais orientadas para as pessoas, implicando que a comunidade ou os indivíduos modifiquem as suas tradições ou o seu modo de vida. Assim, todos os membros da comunidade, adultos e jovens, deviam conhecer melhor as vantagens de uma boa nutrição e boa saúde, assim como as numerosas possibilidades de acção comunitária ou individual, por exemplo, instalando creches ou encorajando os pais a cuidarem de forma activa dos seus filhos.

A saúde. Para além de beneficiar da segurança alimentar e dos cuidados familiares, um indivíduo deve igualmente estar bem de saúde para aproveitar ao máximo os alimentos que consome, caso contrário certos nutrientes serão desperdiçados. Por exemplo, os nutrientes podem passar pelo sistema digestivo sem serem absorvidos, como é o caso das pessoas que sofrem de diarreia, ou podem ser utilizados por parasitas, tais como os vermes intestinais. É por isso que as famílias devem esforçar-se por prevenir as doenças transmissíveis e as infecções parasitárias, praticando uma boa higiene ambiental e pessoal, bebendo água potável e procurando manter os alimentos sãos e limpos. Quando um membro da família adoece, deve ir ao centro de saúde ou pedir conselho ao agente de saúde da aldeia. Se as infecções que impedem uma boa utilização dos alimentos e dos nutrientes pelo corpo não forem tratadas, corre-se o risco de malnutrição.

O equilíbrio nutricional pode ser alcançado graças a uma dieta variada e à diversidade biológica

Variedade de alimentos e diversidade biológica. Cultivar legumes variados em pequenas quantidades é uma boa estratégia para proteger o ambiente; isso permite conservar a biodiversidade e melhorar a segurança alimentar e a nutrição. As mulheres que trabalham na agricultura contribuem particularmente para a diversidade das culturas, visto serem elas que utilizam os recursos genéticos para desenvolver novas variedades, em função das necessidades e das preferências da sua família. O facto de se praticarem diversas culturas reduz o risco de uma perda total de produção em caso de doença. Permite igualmente às famílias diversificar o seu padrão alimentar, preparar um número maior de pratos e aumentar a qualidade nutritiva das refeições.

Durante a estação das chuvas, as famílias dispõem de vários legumes de folha tradicionais, que crescem espontaneamente nos campos ou são semi-cultivados, mas estas variedades nem sempre estão disponíveis durante a estação seca. Assim, o facto de os cultivar na horta, particularmente durante a estação seca, aumenta a oferta de legumes durante essa estação e salvaguarda as falhas provocadas por uma eventual perda da colheita, com a vantagem de que as culturas tradicionais estão melhor adaptadas à região. Para garantir a disponibilidade das sementes durante a estação seca, os agricultores devem ter o cuidado de as guardar desde o fim da estação das chuvas, de as armazenar correctamente e de as semear num espaço bem regado da horta. Ver também a Ficha de Informação 12 sobre as questões que se referem à promoção das plantas alimentares locais.


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