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Módulo 1
INTRODUÇÃO DE CONCEITOS CHAVE

O QUE É A AGROBIODIVERSIDADE?

A agrobiodiversidade é o resultado dos processos de selecção natural, da selecção cuidada e dos desenvolvimentos inventivos de agricultores, criadores de gado e pescadores ao longo de milénios. A agrobiodiversidade é um subgrupo vital da biodiversidade. Muitos dos alimentos e da protecção da subsistência das populações depende da gestão sustentável de vários recursos biológicos diversos que são importantes para a alimentação e agricultura. A agrobiodiversidade, também conhecida como biodiversidade agrícola ou recursos genéticos para a alimentação e agricultura, inclui:

A biodiversidade agrícola resulta da interacção entre o ambiente, recursos genéticos e os sistemas de gestão e práticas utilizados pelas populações culturalmente diversas, resultando então em diferentes formas de utilização da terra e água para a produção. Mais ainda, a agrobiodiversidade engloba a variedade e diversidade de animais, plantas e microorganismos que são necessários para sustentar as funções chave, as estruturas e os processos do ecossistema agrícola e como apoio da produção e segurança alimentar (FAO, 1999a). O conhecimento local e a cultura podem, portanto, ser considerados partes integrantes da agrobiodiversidade, porque é a actividade humana da agricultura que molda e conserva esta biodiversidade.

[Caixa 2] UMA DEFINIÇÃO DE AGROBIODIVERSIDADE
A variedade e diversificação dos animais, plantas e microorganismos utilizados directamente ou indirectamente para alimentação e agricultura, incluindo colheitas, gado, silvicultura e pesca. Inclui a diversidade dos recursos genéticos (variedades, raças) e espécies utilizados para a alimentação, forragem, fibra, combustível e fins terapêuticos. Inclui também a diversidade das espécies não colhidas que apoiam a produção (microorganismos terrestres, predadores, polinizadores) e os do ambiente mais vasto que apoia os ecossistemas agrícolas (agrícolas, pastorais, florestais e aquáticos), assim como a diversidade dos próprios ecossistemas agrícolas.
Fonte: FAO. 1999a

Muitos agricultores, especialmente os que se localizam em ambientes onde as colheitas de alto rendimento e criação de variedades de gado não prosperam, contam com uma vasta gama de tipos de colheitas e gado. Isso ajuda-os a manter a sua subsistência no caso de encararem uma infestação patogénica, chuvas incertas, flutuação dos preços de compra de cereais, perturbações sócio-políticas e a disponibilidade imprevisível dos produtos químicos agrícolas. As chamadas colheitas menores ou subutilizadas (mais precisamente, colheitas companheiras) são frequentemente encontradas próximas da cultura principal ou de rendimento. Elas crescem, frequentemente, lado a lado e a sua importância é, muitas das vezes, mal avaliada. Em muitos casos não são menores nem sub-utilizadas na perspectiva da subsistência, por poderem representar, desproporcionalmente um papel importante nos sistemas de produção de alimentos ao nível local. As plantas que irão crescer em solos inférteis ou desgastados, e o gado que irá comer vegetação degradada, são, muitas das vezes cruciais às estratégias nutricionais das famílias. Mais ainda, as comunidades rurais e os mercados urbanos com os quais estabelecem comércio, fazem um grande uso destas espécies de colheita companheira.

[Caixa 3] A COLECTA DE PLANTAS SILVESTRES PARA O CONSUMO DAS FAMÍLIAS
Em Burkina Faso e por todo o Sahel do Oeste Africano, por exemplo, as mulheres rurais colhem cuidadosamente as frutas, folhas e raízes das plantas nativas, como a árvore do baobá (Adansonia digitata), olhas vermelhas do cavalo marrom-avermelhado (Hibiscus saddarifa), olhas da paina (Ceiba pentandra) bolbos tigernut (Cyperus esculentus L.) ara uso na dieta das suas famílias, completando os grãos agrícolas (milhete, sorgo) que fornecem apenas uma parte de espectro nutricional e pode falhar num ano qualquer. Mais de 800 espécies de plantas silvestres comestíveis estão catalogadas através do Sahel.
Fonte: IK Notes No. 23.

Existem muitas características que são distintas da biodiversidade agrícola quando comparadas com outras componentes da biodiversidade:

A caixa seguinte apresenta uma visão geral das funções principais da agrobiodiversidade. Nem todos os papéis na lista terão relevância numa dada situação, mas podemos utilizar esta lista como lista de controlo para dar prioridade àqueles que são cruciais no nosso projecto/situação de trabalho.

[Caixa 4] A FUNÇÃO DA BIODIVERSIDADE AGRÍCOLA
A experiência e a investigação demonstraram que a biodiversidade agrícola pode:
• Aumentar a produtividade, a segurança alimentar e as receitas económicas;
• Reduzir a pressão da agricultura nas áreas frágeis, nas florestas e espécies em perigo;
• Tornar os sistemas de agricultura mais estáveis, robustos e sustentáveis;
• Contribuir para a gestão sadia de pestes e doenças;
• Conservar o solo e aumentar a sua fertilidade e saúde natural;
• Contribuir para uma intensificação sustentável
• Diversificar produtos e oportunidades de rendimento;
• Reduzir ou dispersar riscos a indivíduos e nações;
• Ajudar a maximizar o uso efectivo de recursos e do meio ambiente;
• Reduzir a dependência nos investimentos externos;
• Melhorar a nutrição humana e fornecer fontes de medicamentos e vitaminas; e
• Conservar a estrutura do ecossistema e a estabilidade da diversidade das espécies.
(Adaptado de Thrupp)

O QUE É QUE ESTÁ A ACONTECERÀ AGROBIODIVERSIDADE?

Localmente, os sistemas diversos de produção de alimentos estão ameaçados, incluindo, o conhecimento local, a cultura e os conhecimentos dos produtores de alimentos, de ambos os sexos. Com este declínio, a biodiversidade agrícola está a desaparecer, a escala da perda é extensa. Com o desaparecimento das espécies de colheitas, variedades e raças também desaparecem uma vasta gama de espécies não colhidas.

[Caixa 5] 100 ANOS DE MUDANÇA AGRÍCOLA:
Algumas tendências e números relacionados com a biodiversidade agrícola
  • 75% da diversidade genética de plantas foi perdida desde os anos 1900 quando os agricultores mundiais abandonaram as suas múltiplas variedades locais e “raças da terra” por variedades geneticamente uniformes de alto rendimento.
  • 30% de raças de gado estão em risco de extinção; seis raças são perdidas mensalmente.
  • Actualmente, 75% dos alimentos mundiais são gerados de apenas 12 plantas e cinco espécies de animais.
  • Dos 4% das 250 000 a 300 000 espécies de plantas comestíveis conhecidas, apenas 150 a 200 são utilizadas pela espécie humana e apenas três - arroz, milho e trigo - contribuem, com aproximadamente 60% das calorias e proteínas obtidas das plantas por seres humanos.
  • Os animais fornecem uns 30% dos requisitos humanos para alimentos e agricultura e 12% da população mundial vive quase inteiramente dos produtos dos ruminantes.
Fonte: FAO. 1999b

Mais de 90% de variedades de culturas desapareceram dos campos dos agricultores; metade das raças de muitos animais domésticos foi perdida. Nas áreas de pesca, todas as 17 zonas mundiais principais de pesca são actualmente exploradas nos seus limites sustentáveis ou acima deles, com muitas populações de peixe que se tornam efectivamente extintas. A perda da cobertura florestal, terrenos húmidos costeiros e outras áreas selvagens não cultivadas, e a destruição do meio ambiente aquático, também agrava a erosão genética da biodiversidade agrícola.

Os campos de pousio e terras selvagens podem suportar grande número de espécies úteis aos agricultores. Para além do fornecimento de calorias e proteínas, os alimentos silvestres fornecem vitaminas e outros micro-nutrientes essenciais. Geralmente, as famílias pobres dependem mais do acesso aos alimentos silvestres, do que as ricas (ver a tabela 1). Contudo, em algumas áreas, a pressão sobre a terra é tão grande que até o stock de alimentos silvestres se exauriu.

O termo “alimento silvestre”, embora geralmente usado, é erróneo porque implica a ausência da influência e gestão humana. Ao longo do tempo, as pessoas moldaram, indirectamente, muitas plantas. Algumas foram domesticadas em jardins caseiros e nos campos, juntamente com a comida e as colheitas de rendimento cultivadas pelos agricultores. Portanto, o termo “alimento silvestre” é utilizado para descrever todos os recursos de plantas que são colhidos ou colectados para o consumo humano fora das áreas agrícolas, nas florestas, savanas e outras áreas de matagal. Os alimentos silvestres estão incorporadas nas estratégias de subsistência normais de muitas populações rurais, sejam elas pastorais, semi-nómadas, colectores contínuos ou caçadores recolectores. O alimento silvestre é geralmente considerado como um suplemento dietético adicional no padrão do consumo de alimentos diários dos agricultores, geralmente baseado na colheita das suas culturas, produtos de animais domésticos e na compra de alimentos nos mercados locais. Por exemplo, as frutas e bagas, da vasta gama de plantas silvestres são tipicamente referenciadas de “alimento silvestre”. As frutas e bagas silvestres acrescentam vitaminas cruciais à dieta etíope normal de cereais, deficiente de vitaminas, particularmente no caso das crianças.

[Tabela 1]Proporção de alimentos provenientes de produtos silvestres em famílias com diferentes graus de rendimento
Local da pesquisaDataPobre %Média %Rica %
Wollo - Dega, Etiópia19990–100–100–5
Jaibor, Sudão19971552–5
Chitipa, Malawi19970–100–100–5
Ndoywo, Zimbabwe19970–500
Fonte: Biodiversity in development

Existem várias causas para este declínio na agrobiodiversidade. Ao longo do século 20 este declínio acelerou, em paralelo com exigências crescentes de uma população cada vez maior e uma maior competição por recursos naturais. As causas base principais incluem:

Pontos-Chave

PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL - NOTAS PARA O FACILITADOR

OBJECTIVO: A ficha informativa 1.1 fornece uma introdução e uma visão geral da agrobiodiversidade. Ela introduz as definições do conceito e descreve as diferentes componentes e dinâmicas da biodiversidade agrícola. O objectivo geral é estabelecer uma compreensão partilhada entre os participantes dos termos e conceitos relevantes.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes adquiram um nível partilhado de compreensão dos termos e conceitos relevantes relacionados com a agrobiodiversidade.

PROCESSO: A ficha informativa 1.1, deve ser disponibilizad e circular entre os participantes depois da sessão. Isto deve ajudá-los a explorar os conceitos, do ponto de vista do seu próprio background de trabalho, sem serem influenciados pela informação fornecida. É importante mostrar aos participantes, desde o início, que a abordagem da formação é baseada na partilha mútua de conhecimento e informação. Além disso, o conhecimento dos formadores e participantes é valorizado e respeitado de forma igual.

  1. Dependendo da disponibilidade temporal1, os participantes podem ser convidados a:

    1. Nomear componentes/exemplos de agrobiodiversidade. Isto teria lugar na forma de uma actividade de “brain-storming”. A informação gerada durante este exercício pode ser então organizada conjuntamente e servir como base a uma apresentação mais formal.
    2. Em grupos pequenos, desenvolverem mapas de sistemas agrícolas em que diferentes componentes da agrobiodiversidade estão localizadas. Estes mapas podem então ser mostrados e partilhados com os outros participantes.

  2. Este exercício pode ser seguido de uma apresentação em acetatos/Power Point cobrindo as definições e as diferenças entre a agrobiodiversidade e a biodiversidade em geral.

  3. Depois seria útil discutir as dinâmicas e as tendências na biodiversidade agrícola. Isto pode ser baseado:

    1. Nas discussões gerais entre os participantes das dinâmicas e tendências na agrobiodiversidade.
    2. Nos mapas desenvolvidos pelos participantes, indicando mudanças passadas e tendências.

  4. Os pontos-chave devem ser extraídos da discussão em conjunto com os participantes.
  5. Finalmente, o facilitador pode apresentar os pontos-chave de aprendizagem da ficha informativa 1.1.

Seria útil integrar outros estímulos visuais, tais como vídeos ou slides para aumentar o interesse e o envolvimento dos participantes.

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes compreendam o conceito de agrobiodiversidade. Que tenham estabelecido uma compreensão partilhada de assuntos e termos chave. Para mais detalhes por favor remeter para os pontos-chave das páginas com informação factual 1.1.

TEMPO NECESSÁRIO: É sugerido um mínimo de 3 horas para a ficha informativa 1.1.

O QUE É O CONHECIMENTO LOCAL?

O conhecimento local é o conhecimento que os povos duma determinada comunidade desenvolveram ao longo do tempo, e continuam a desenvolver. Ele é:

O conhecimento local não está confinado a grupos tribais ou aos habitantes nativos da área. Não está sequer confinado às populações rurais. Em vez disso, todas as comunidades - rurais e urbanas, sedentárias e nómadas, habitantes nativos e emigrantes, possuem conhecimento local. Existem outros termos tais como conhecimento tradicional ou conhecimento indígena, que estão muito relacionados ou mesmo sinónimos do conhecimento local. Escolhemos o termo conhecimento local, porque aparenta ser menos enviesado em termos do seu conteúdo ou origem. Ao compreender um conjunto maior de sistemas de conhecimento, este inclui aqueles classificados como tradicionais ou indígenas.

[Caixa 1] CONHECIMENTO LOCAL, TRADICIONAL E INDÍGENA
O conhecimento local é uma colecção de factos e relaciona-se com todo o sistema de conceitos, crenças e percepções que as populações têm sobre o mundo a sua volta. Isto inclui a maneira como elas observam e medem o que os rodeia, como elas resolvem os seus problemas, e validam novas informações. Inclui também os processos através dos quais o conhecimento é gerado, armazenado, aplicado e transmitido aos outros.
O conceito de conhecimento tradicional implica que as populações que vivem nas zonas rurais estão isoladas do resto do mundo e que os seus sistemas de conhecimento são estáticos e não interagem com outros sistemas de conhecimentos.
Os sistemas de conhecimento indígena estão muitas vezes associados com as populações nativas. Este conceito é particularmente limitador para as políticas, projectos e programas que procuram trabalhar com os agricultores rurais de uma forma geral. Mais ainda, em alguns países, o termo “indígena” tem uma conotação negativa, por estar associado com “atraso” ou tem uma conotação étnica ou política.
Fontes: Warburton and Martin

Os sistemas de conhecimento são dinâmicos, as populações adaptam-se a mudanças no seu meio ambiente e absorvem e assimilam ideias de uma variedade de fontes. Contudo, o conhecimento e o acesso ao conhecimento não estão distribuídos igualmente ao longo de uma comunidade ou entre as comunidades. As populações podem ter diferentes objectivos, interesses, percepções, crenças e acesso à informação e aos recursos. O conhecimento é gerado e transmitido através de interacções dentro de contextos sociais e agro-ecológicos específicos. Está ligado ao acesso e ao controlo do poder. As diferenças de estatuto social podem afectar as percepções, o acesso ao conhecimento e, crucialmente, a importância e a credibilidade ligados ao que um indivíduo sabe. O conhecimento das populações pobres rurais, especialmente de mulheres é, muitas vezes, negligenciado e ignorado.

[Caixa 2] PLANTAS SILVESTRES NO SUL DA ETIÓPIA
As populações rurais da Etiópia estão dotadas de um conhecimento profundo do uso de plantas silvestres. Isto é particularmente verdadeiro para o uso de plantas selvagens e medicinais, algumas das quais são consumidas durante as secas, guerras e outras dificuldades. Os mais velhos, e outros membros conhecedores da comunidade, são as fontes chave ou “reservatórios” dos conhecimentos sobre plantas. O consumo de alimentos silvestres é ainda muito comum nas zonas rurais da Etiópia, particularmente por crianças. Entre os frutos silvestres mais comuns consumidos por crianças, existem, por exemplo, frutas do Ficus spp, Carissa edulis espécies de plantas Rosa abyssinica.
O consumo de plantas silvestres aparenta ser mais comum e difundido nas áreas que sofrem de insegurança alimentar, onde uma vasta gama de espécies é consumida. A associação criou a noção de “alimentos de fome”, plantas consumidas apenas em tempos de crise de alimentos e que são, portanto, um indicador das condições de fome. As populações locais conhecem a importância e a contribuição das plantas silvestres para a sua dieta alimentar. Elas também sabem estar alerta contra possíveis problemas de saúde, tais como a irritação estomacal, que ocasionalmente ocorrem depois do consumo de certas plantas silvestres.
Por exemplo, a Balanites aegyptiaca (“bedena” em Amharico), uma árvore sempre-verde, com cerca de 10 a 20 metros de altura, é típica desta categoria. Os seus frutos são consumidos a qualquer altura por crianças quando estão maduros, e também, por adultos em períodos de falta de alimentos. Os rebentos novos, que crescem sempre durante a época seca, são geralmente utilizados como forragem animal. Mas em períodos de escassez de alimentos, as populações cortam os rebentos e folhas mais novas e suculentas e cozinham-nas como couve. As populações das zonas propensas à seca do sul da Etiópia também aplicam estes hábitos de consumo aos frutos e folhas novas da Solanium nigrum (sombra nocturna negra), uma erva pequena anual e à Syzygium guineense (árvore de bagas de água), uma árvore com folhas densas, florestal e frondosa de cerca de 20 metros de altura.
Em algumas partes do sul da Etiópia, o consumo de plantas silvestres aparenta ser uma das estratégias importantes de sobrevivência local. Isto parece ter-se intensificado devido aos choques climáticos repetitivos que atrasaram a produção agrícola, levando à escassez de alimentos. O maior consumo de alimentos silvestres ajuda as populações a lidarem melhor com chuvas erráticas e fora de hora. Elas são capazes de encarar vários anos consecutivos de seca, sem enfrentarem uma escassez severa de alimentos, fome e esgotamento geral dos bens, como acontece noutras zonas da Etiópia. A chave para esta estratégia de sobrevivência é a colecção e consumo de plantas silvestres que se encontram em terras baixas não cultivadas, tais como, matas, florestas e áreas pastorais. Nas terras médias e altas, mais densamente povoadas e usadas mais intensamente, uma grande variedade destas plantas indígenas foi domesticada para consumo caseiro e uso medicinal. A Etiópia do sul, e particularmente as weredas2 especiais do Konso, Derashe e Burji, e partes das SNNPR (Nações, Nacionalidades e Regiões Populacionais Sulistas), podem ainda ser consideradas parte destas chamadas zonas quentes da biodiversidade na Etiópia.
Fonte: Guinand and Lemessa

O conhecimento local é exclusivo a todas culturas ou sociedades; Os mais velhos e os mais novos possuem tipos diferentes de conhecimento. As mulheres e homens, agricultores e mercadores, populações educadas e não educadas todas têm diferentes tipos de conhecimentos.

O tipo de conhecimento que as populações têm está relacionado com a idade, género, ocupação, divisão de tarefas dentro da família, empresas ou comunidades, estatuto sócio-económico, experiência, meio ambiente, história, etc. Isto tem implicações importantes para os trabalhos de investigação e desenvolvimento. Para descobrir o que as populações sabem, temos de identificar as pessoas certas a inquirir. Por exemplo, se os rapazes praticam a pastorícia, eles podem saber melhor onde é que se localizam as melhores zonas de pastagem do que os seus pais. Se perguntarmos aos pais para nos mostrarem as boas zonas de pastagem, podemos obter apenas informações parciais. Os profissionais do desenvolvimento, algumas vezes pensam que as populações sabem muito pouco, quando, de facto foram entrevistadas as pessoas erradas.

É importante perceber que o conhecimento local - como acontece com outros tipos de conhecimento - é dinâmico e está constantemente em mudança, à medida que se adapta a um meio ambiente variável. Porque o conhecimento local muda ao longo do tempo é, por vezes, difícil decidir se a tecnologia ou prática é local ou adoptada de fora, ou se é uma mistura de componentes locais e adoptados. Em muitos casos a última situação é mais provável. Contudo, para um projecto de desenvolvimento, não importa se a prática é local ou já está misturada com conhecimento introduzido. O que é importante antes de se procurar por tecnologias e soluções fora da comunidade, é olhar primeiro para o que está disponível dentro da comunidade. Baseada nesta informação, pode ser feita a decisão do tipo de informação mais relevante para a situação específica. É mais provável que seja uma combinação de diferentes fontes de conhecimentos e tipos de informação.

Mais uma vez, isto tem implicações importantes para o processo de pesquisa e do desenvolvimento. Não é suficiente documentar o conhecimento local existente. É igualmente importante compreender como é que este conhecimento se adapta, se desenvolve e muda com o tempo. Também é significativo saber como este conhecimento é comunicado e por quem, tanto dentro como fora da comunidade

PORQUE É QUE O CONHECIMENTO LOCAL É IMPORTANTE?

O conhecimento local é o capital humano, tanto das populações urbanas como rurais. É o bem principal que eles investem na batalha pela sobrevivência, para produzir alimentos, para providenciar abrigo ou para obter controlo das suas próprias vidas. Contribuições significativas para o conhecimento global tiveram origem nas populações locais, por exemplo, na medicina humana e medicina veterinária. O conhecimento local é desenvolvido e adaptado continuamente a um meio ambiente em mudança gradual. Ele é passado de geração em geração e está intimamente ligado com os valores culturais das populações.

Na economia global emergente de conhecimento, a capacidade de um país de criar e mobilizar capital de conhecimento é tão essencial para um desenvolvimento sustentável, assim como o é a disponibilidade do capital físico e financeiro. A componente básica do sistema de conhecimento de qualquer país é o seu conhecimento local. O mesmo inclui os conhecimentos, experiências e as percepções da população, aplicado para manter ou melhorar a sua subsistência.

Actualmente, muitos sistemas de conhecimento local estão em risco de extinção. Isto acontece pois, globalmente, os meios ambientes naturais estão a mudar rapidamente e existem mudanças económicas, políticas e culturais muito velozes. As práticas desaparecem, quando são inapropriadas, perante novos desafios, ou porque elas se adaptam muito lentamente. Contudo, muitas práticas desaparecem por causa da invasão de tecnologias estrangeiras ou conceitos de desenvolvimento que prometem ganhos de curta duração ou soluções para problemas. A tragédia do desaparecimento iminente do conhecimento local é muito obvio para os que se desenvolveram e ganham a sua vida a partir dele. O caso do alimento silvestre do Sul da Etiópia (ver Caixa 2, nesta ficha informativa) é um bom exemplo disso. Estas plantas são especialmente vitais para a sobrevivência dos pobres, durante períodos de carência de comida, quando não existem outros meios de satisfazer as necessidades básicas. Além disso, as implicações para os outros também podem ser prejudiciais, quando o saber-fazer, tecnologias, artefactos, estratégias de resolução de problemas e as especialidades se perdem. O conhecimento local é uma parte da vida da população. Os pobres, em especial, dependem quase inteiramente, para a sua sustento, de um saber-fazer específico e conhecimentos essenciais à sua sobrevivência. Por conseguinte, para o processo de desenvolvimento, o conhecimento local é de particular relevância para os seguintes sectores e estratégias:

As abordagens convencionais implicam que os processos de desenvolvimento requerem sempre transferências de tecnologia de locais que são percebidos como mais avançados. Esta prática tem levado, muitas vezes, ao negligenciar do potencial das experiências e práticas locais. O exemplo seguinte do programa de segurança alimentar da Etiópia ilustra as o que pode acontecer se o conhecimento local não for adequadamente considerado (ver Caixa 3).

[Caixa 3] INTRODUÇÃO DE VARIEDADES DE SOJA NA ETIÓPIA
Variedades de sorgo de maior rendimento foram introduzidas na Etiópia para aumentar a segurança alimentar e o rendimento dos agricultores e comunidades rurais. Quando o tempo e outras condições foram favoráveis, as variedades modernas provaram ser um sucesso. No entanto, em algumas áreas, foram observadas perdas completas de culturas, enquanto que as variedades locais, com maior variedade de características eram menos susceptíveis às secas frequentes. A perda de uma cultura inteira foi considerada pela comunidade de agricultores como maior que a compensação das menores colheitas médias de variedade local também produzidas em condições mais extremas. Uma abordagem, que incluísse a experiência agrícola local, poderia ter resultado numa mistura equilibrada de variedades locais e introduzidas, assim reduzindo o risco dos produtores.
Fonte: Oduol

O conhecimento local é relevante a 3 níveis do processo de desenvolvimento.

Porém, é importante frisar que o conhecimento local não é exclusivo ou necessariamente suficiente para cuidar dos desafios que as populações enfrentam actualmente. Muitas provas mostram que os actores locais procuram informações e conceitos de qualquer sítio onde possam adquiri-lo nos seus esforços para resolver os seus problemas e atingir os seus objectivos. Para as pessoas envolvidas nos processos de investigação e desenvolvimento com as comunidades locais, é importante ver o conhecimento local como um componente dentro de um sistema de inovação mais complexo. Portanto, uma análise profunda das fontes existentes de informação e conhecimento, é um passo importante para qualquer projecto de pesquisa ou desenvolvimento. Estas fontes podem ser de natureza formal e informal. Por exemplo, os grupos comunitários que estão envolvidos em práticas agrícolas similares podem ser uma fonte informal de conhecimento local, enquanto que os centros ou extensões de pesquisa regional ou nacional seriam uma fonte formal de conhecimento. Neste contexto, é igualmente importante considerar os fornecedores de serviços privados, tais como, os revendedores locais de sementes, visto que se estão a tornar cada vez mais importantes como fornecedores de conhecimentos.

Pontos-chave

PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL - NOTAS PARA O FACILITADOR

OBJECTIVO: A ficha informativa 1.2 fornece uma introdução geral ao conceito de conhecimento local e descreve a natureza dinâmica deste conceito. O objectivo geral é estabelecer uma compreensão partilhada entre os participantes dos termos e conceitos relevantes.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes compreendam o conceito de conhecimento local e estejam cientes da sua posição num sistema de conhecimento mais abrangente.

PROCESSO:

  1. É importante mostrar aos participantes, desde o início, que a abordagem da formação é baseada na partilha mútua de conhecimento e informação. Além disso, o conhecimento dos participantes e formadores é igualmente respeitado e valorizado.

  2. Os participantes podem ser convidados primeiramente a partilharem experiências, relacionadas com o conhecimento local, do ponto de vista do seu background profissional.

  3. Num exercício posterior, pode pedir-se aos participantes que resumissem a informação, para definir o conceito. Se o tempo for limitado, o facilitador pode ir directamente para o Ponto 4 e incluir a definição na sua apresentação.

  4. Uma apresentação dada pelo que promove a acção sobre o conhecimento local (conceitos, definições).

  5. Pode seguir-se uma discussão sobre as dinâmicas e tendências no desenvolvimento do conhecimento local. Isto pode ser baseado, mais uma vez, (a) em ideias gerais e brain-storming dos participantes, ou (b) na apresentação de alguns exemplos dos sistemas agrícolas da sua região, comparando situações passadas e presentes em termos da relevância do conhecimento local.

  6. Os pontos-chave devem ser extraídos desta discussão em conjunto com os participantes.

Seria útil integrar outros estímulos visuais, tais como vídeos ou slides para aumentar o interesse e o envolvimento dos participantes.

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes compreendam o conceito de conhecimento local. Que tenham estabelecido uma compreensão partilhada de assuntos, termos chave e tenham coberto os pontos-chave descritos na ficha informativa 1.1.

TEMPO NECESSÁRIO: Mínimo 2 horas.

O QUE É O GÉNERO?

O género é definido pela FAO como sendo “as relações, tanto perceptivas como materiais, entre homens e mulheres. O género não é determinado biologicamente como resultado das características sexuais dos homens ou mulheres, mas é sim, construído socialmente. É um princípio central organizador das sociedades e, muitas vezes, governa os processos de produção e reprodução, consumo e distribuição” (FAO 1997). Apesar desta definição, o género tem sido, frequentemente, mal entendido como sendo apenas, a promoção de mulheres. No entanto, como podemos verificar na definição da FAO, os assuntos de género focam-se nas mulheres, nas relações entre homens e mulheres, seus papéis, ao acesso e controlo dos recursos e à divisão do trabalho, interesses e necessidades. As relações de género afectam a segurança familiar, o bem-estar da família, planeamento, produção e muitos outros aspectos da vida (Bravo-Baumann 2000).

[Caixa 1] DEFINIÇÃO DOS PAPÉIS DE GÉNERO E DAS RELAÇÕES DE GÉNERO
Os Papéis de género são “a definição social” de homens e mulheres. Eles variam nas diferentes sociedades e culturas, classes e idades e durante diferentes períodos da história. Os papéis e responsabilidades específicas do género são muitas vezes condicionados pela estrutura da família, acesso aos recursos, impactos específicos da economia global e outros factores locais relevantes, tais como as condições ecológicas (FAO 1997).
As Relações de género são as formas segundo as quais a cultura ou a sociedade define os direitos, as responsabilidades e identidades dos homens e mulheres em relação a um ao outro (Bravo-Baumann 2000).

Os papéis dos homens e mulheres rurais como produtores e fornecedores de alimentos associam-se directamente à gestão e ao uso sustentável da biodiversidade agrícola. Através do seu trabalho diário, as populações rurais acumularam conhecimentos e competências relativas aos seus ecossistemas, variedades de culturas locais e raças de animais, sistemas agrícolas e valores nutricionais de várias plantas sub-utilizadas. Eles tornaram-se especialistas na manutenção dos seus próprios escassos recursos. Os homens e as mulheres agem de formas diferentes por causa dos seus papéis relacionados socialmente, portanto, eles tem conjuntos diferentes de conhecimentos e de necessidades.

A experiência mostra que os programas e as políticas relacionados com a agricultura e o ambiente não diferenciam entre agricultores masculinos e femininos. Portanto, eles frequentemente recusam reconhecer as diferenças entre o trabalho, conhecimento, contribuições e necessidades dos homens e das mulheres. Isto tem consequências importantes para a biodiversidade assim como para a igualdade do género. O estudo de caso apresentado no Módulo 5, por exemplo, mostra claramente como a agrobiodiversidade e o conhecimento local detido por mulheres eram negativamente afectados pela introdução de vegetais exóticos para a produção no mercado, que foi, uma actividade principalmente conduzida por homens.

[Caixa 2] DIFERENÇAS DE GÉNERO NO CONHECIMENTO DAS VARIEDADES TRADICIONAIS DO ARROZ NO MALI
O arroz era tradicionalmente considerado uma cultura feminina na região de Bafoulabé no Mali. Era cultivado perto de rios ou em zonas onde houvesse água estagnada durante a época chuvosa. As mulheres tomavam conta dos campos, individualmente ou em grupos. O seu conhecimento das variedades terrestres era vasto e podiam identificar 30 variedades diferentes pelo ciclo de crescimento, hábito de crescimento da planta, altura da planta, número de caules, produção de grão, tamanho do grão, forma e cor, qualidade da preparação, utilização e sabor do produto final. Os homens tinham pouco conhecimento das variedades tradicionais do arroz, mas, tinham a responsabilidade principal das três variedades melhoradas de arroz introduzidas na vila.
Fonte: Synnevag, 1997

Tanto os agricultores que são homens como os que são mulheres desempenham um papel importante como decisores na gestão da biodiversidade agrícola. Eles decidem quando fazer a sementeira, colheita e processamento das suas culturas. Decidem também, quanto é que se deve semear de cada variedade de cultura em cada ano, a percentagem de sementes da sua própria produção a guardar e o que comprar ou trocar. Todas estas decisões afectam o montante total da diversidade genética que é conservada e utilizada.

Em muitos sistemas agrícolas existe uma divisão do trabalho que determina as diferentes tarefas pelas quais os homens e as mulheres têm responsabilidade. Geralmente, as mulheres têm um papel importante na produção, processamento, preservação, preparação e venda das culturas básicas, enquanto que os homens tendem a dedicar-se mais à produção de culturas de alto rendimento ou orientadas para o mercado. Encontramos, muitas vezes, uma divisão nas práticas de gestão de culturas e gado. O arrancar de ervas daninhas é normalmente tarefa de mulheres, enquanto que a pulverização e aplicação dos fertilizantes é principalmente feito por homens. As mulheres e as crianças muitas vezes cuidam da criação de espécies pequenas de animais, enquanto os homens são geralmente responsáveis pela criação de gado. Estes são apenas alguns exemplos que embora não sejam geralmente aplicáveis, vão depender das situações e culturas específicas em que estamos a trabalhar.

[Caixa 3] DIFERENÇAS DE GÉNERO E ESPECÍFICAS DE IDADES EM RELAÇÃO À RECOLHA, PREPARAÇÃO E CONSUMO DE “ALIMENTOS DE PLANTAS SILVESTRES”NA ETIÓPIA RURAL
As crianças, principalmente, são as que colhem e consomem os frutos das plantas silvestres. Outros frutos silvestres e plantas de alimentos de fome são colhidos por crianças e mulheres e preparados pelas mulheres em todas as áreas inquiridas. As mulheres colhem frequentemente alimentos silvestres quando estão a caminho da busca de água, da recolha de lenha, da ida ao mercado e quando estão de regresso a casa vindas dos seus campos.
Os membros masculinos saudáveis da comunidade, usualmente emigram a procura de oportunidades diárias de trabalho noutros sítios durante os períodos de escassez de alimentos. As mulheres e crianças ficam para gerirem o melhor possível. Portanto, as mulheres e as crianças são os actores principais no que respeita a colecção, preparação e consumo dos alimentos de plantas silvestres. As crianças vão à procura de alimentos e trepam árvores para a colheita, enquanto as mulheres fazem a preparação e cozinham
Os jovens rurais consomem mais alimentos silvestres que a geração mais velha nas épocas normais. No entanto, nos tempos de escassez de alimentos as pessoas de todas as idades e sexos comem os alimentos selvagens, para satisfazerem as suas necessidades nutricionais, para a concretização tradicional e para os tratamentos locais curativos. Isto inclui o consumo dos frutos da Embelia schimperi (“enkoko” em Amharico) para controlar os parasitas intestinais.
Fonte: Guinand and Lemessa

As mulheres estão frequentemente envolvidas na selecção, melhoramento e adaptação das variedades de plantas. Elas têm frequentemente mais conhecimentos especializados na utilização de plantas silvestres para a alimentação, forragem e medicina do que os homens (ver Caixa 2 e 3). Os homens e as mulheres podem ser responsáveis por culturas ou mesmo variedades diferentes ou serem responsáveis por diferentes tarefas relacionadas com uma certa cultura.

As décadas mais recentes testemunharam ganhos substanciais na produtividade agrícola e avanços rápidos na tecnologia agrícola. Estes avanços têm frequentemente contornado as agricultoras e reduzido a sua produtividade. Frequentemente, as mudanças estavam ligadas aos requisitos de créditos inacessíveis às mulheres, ou não estavam apenas adaptados às necessidades e exigências das mulheres. Portanto, como agricultoras e gerentes dos recursos naturais, as mulheres enfrentam uma série de constrangimentos baseados no género. Os países devem encontrar formas de ultrapassar este vazio da produtividade a fim de enfrentar os desafios da produção de alimentos para uma população crescente, os países precisam de encontrar formas de ultrapassar esta lacuna na produtividade.

GESTÃO DO GÉNERO E DA AGROBIODIVERSIDADE

Existem preocupações crescentes que a contribuição vital das mulheres para a gestão dos recursos biológicos e geralmente para a produção económica, tem sido, mal entendida, ignorada ou subestimada (Howard 2003). As mulheres são o único ganha-pão em um terço de todas as famílias no mundo. Nas famílias pobres com dois adultos, mais de metade do rendimento disponível é proveniente do trabalho das mulheres e crianças. Mais ainda, as mulheres usam mais os seus ganhos para custear as necessidades básicas. As mulheres produzem 80 por cento dos alimentos em África, 60 por cento na Ásia e 40 por cento na América Latina (Howard 2003).

As mulheres tendem a estar mais activamente envolvidas, que os homens, na economia familiar. Isto envolve tipicamente o uso de uma diversidade mais ampla de espécies para a alimentação e medicina, do que as que são comercializadas nos mercados regionais ou internacionais. As mulheres têm geralmente a responsabilidade primária de fornecerem as suas famílias com alimentos, água, combustível, medicamentos, fibras, forragem e outros produtos. Muitas vezes, elas precisam de contar com um ecossistema saudável e diverso para terem um rendimento em dinheiro. Como resultado, as mulheres rurais são mais entendidas sobre os padrões e usos da biodiversidade local. Todavia, é muitas vezes negado o acesso à terra e seus recursos a estas mesmas mulheres. Em muitos países, tais como o Quénia, as mulheres têm acesso apenas à terra mais marginal - as plantas medicinais são colhidas ao longo das ruas e vedações, e o combustível é de facto recolhido nas áreas comuns, muito distantes das vilas para os homens as reclamarem.

As questões de género cortam caminho através das actividades da gestão da biodiversidade agrícola de várias formas. Primeiro, a gestão da agrobiodiversidade é baseada na comunidade e requer o apoio de toda a comunidade - jovens e velhos, ricos e pobres, homens e mulheres, rapazes e raparigas. Porque as mulheres desempenham um papel restrito ou invisível nos assuntos públicos de muitas comunidades, são preciso tomar passos especiais para que as mulheres sejam consultadas sobre a gestão da biodiversidade agrícola.

A tradição pode ditar que o chefe da família fale em nome da família. Contudo, muitos homens não estão suficientemente cientes dos assuntos das mulheres para os levantar de forma adequada nas reuniões públicas. Por conseguinte, devem ser encontradas outras formas para utilizar os conhecimentos, as necessidades e requisitos das mulheres, e para determinar os seus compromissos e contribuições para a gestão da biodiversidade agrícola.

Segundo, os homens e as mulheres usam a agrobiodiversidade de diferentes formas e têm diferentes medidas de distribuição e conservação. Portanto, a gestão da biodiversidade agrícola requer informação, participação na tomada de decisões, gestão e compromisso de ambos os sexos.

Além disso, os papéis e responsabilidades das mulheres são maiores do que nunca em diversas regiões devido à emigração dos homens para as zonas urbanas. Os homens estão, frequentemente, ausentes dos lares das zonas rurais porque procuram ganhar um rendimento alternativo. Isto cria, “de facto” famílias lideradas por mulheres, onde os homens podem reter o poder de tomada de decisão apesar das mulheres estarem a gerir as quintas e as famílias durante longos períodos. Esta “feminização da agricultura” pode indicar que as mulheres estão a conquistar mais poder de tomada de decisão no que diz respeito à gestão da agrobiodiversidade.

Devido às tendências acima descritas é importante, para nós, reconhecer que as considerações de género na biodiversidade agrícola precisam sempre de tomar em linha de conta os papéis, responsabilidade, interesses e necessidades tanto dos homens como das mulheres. Além do mais, é necessário estarmos cientes de outras diferenças que devem ser tomados em consideração dentro destes dois grupos, tais como a idade, etnia e estatuto social.

O fracasso em considerar estas diferenças, entre homens e mulheres, leva a actividades de projecto mal sucedidas. Pode levar também, à marginalização do maior sector da sociedade e a larga parte da mão-de-obra agrícola. Assim, a compreensão das relações de género e o ajuste dos métodos e das mensagens é crucial para a participação completa de todos os sectores da comunidade.

Pontos-chave

NOTAS PARA O FACILITADOR - PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL

OBJECTIVO: A ficha informativa 1.3 fornece uma introdução ao conceito de género dentro da gestão da agrobiodiversidade. Ela apresentam definições e descreve a relevância dos papéis de do género e suas responsabilidades. O objectivo geral é estabelecer uma compreensão partilhada entre os participantes dos termos e conceitos relevantes.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes cheguem a um entendimento do conceito de género e estejam cientes da sua posição dentro da gestão da biodiversidade agrícola.

PROCESSO:

É importante mostrar aos participantes, desde o início, que a abordagem da formação é baseada na partilha mútua de conhecimento e informação. Além disso, o conhecimento dos participantes e formadores é igualmente respeitado e valorizado.

  1. Como uma introdução à sessão, um curto exercício pode ser realizado para revelar os diferentes papéis e responsabilidades dos homens e mulheres na agricultura (Ver o manual do ASEG em www.fao.org/sd/seaga/4_en.htm).

  2. Sessões de brain-storming sobre termos do género e com ele relacionados baseadas no material de formação do ASEG.

  3. Os resultados deste exercício podem ser usados para explorar a relevância das descobertas para a gestão da agrobiodiversidade

  4. O facilitador pode guiar a discussão para níveis mais complexos de análise. Os participantes podem ser encorajados a incluir aspectos de idade e estatuto social na sua discussão.

  5. Um passo seguinte pode ser o de convidar os participantes a discutir as consequências de intervenções de projecto e abordagens insensíveis ao género3

  6. As descobertas dos participantes devem ser organizadas em conjunto com o facilitador. Os participantes podiam ser encorajados a fornecer exemplos da sua própria experiência de trabalho.

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes estejam conscientes da importância da dimensão do género dentro da gestão da agrobiodiversidade. Que tenham estabelecido, em conjunto, uma compreensão partilhada do conceito. Os pontos-chave da ficha informativa 1.3 tenham sido levantados pelos participantes.

TEMPO NECESSÁRIO: Mínimo 2 horas.

O QUE ÉA SEGURANÇA ALIMENTAR?

A Cimeira Mundial de Alimentação de 1996 chegou a um quase consenso sobres as características principais do problema global da segurança alimentar. A segurança alimentar é o fornecimento adequado de alimentos e da disponibilidade alimentar. Isto significa estabilidade de mantimentos e acesso à comida e ao consumo por todos.“ A segurança alimentar…é conseguida quando todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico e económico a comida nutritiva e segura em quantidade suficiente e adequada às suas necessidades dietéticas e preferências alimentares para uma vida activa e saudável” (FAO, 1996). O direito à comida é um direito humano básico, mandatado na lei internacional e reconhecido por todos os países.

A disponibilidade alimentar é necessária para a segurança alimentar, mas não é suficiente. As famílias com insegurança alimentar podem estar em áreas onde existe comida suficiente, mas falta à família o rendimento ou os meios que dão direito (produção, comércio ou trabalho) a obtê-los. Melhorar os meios que dão direito significa expandir as oportunidades económicas e fazer os mercados funcionarem melhor para os pobres. Além disso, os indivíduos com insegurança alimentar podem viver em agregados familiares com segurança alimentar. Assegurar que todos os membros de família têm uma dieta adequada significa ultrapassar a descriminação de género ou de idade.

UMA DEFINIÇÃO DE SEGURANÇA ALIMENTAR FAMILIAR

As famílias estão seguras do ponto de vista alimentar quando todos os membros têm acesso durante todo o ano à quantidade e variedade de alimentos seguros para levarem vidas activas e saudáveis. Ao nível familiar, a segurança alimentar refere-se à capacidade dos membros da família de assegurarem comida adequada para as necessidade alimentares, quer provenientes de produção familiar quer adquiridos através da compra.

Estado da segurança alimentar mundial: Não existe escassez de comida para aqueles que se podem permitir comprá-la. Embora o retrato global demonstre excedentes sólidos de comida e preços em queda, a segurança alimentar permanece uma preocupação chave. Isto acontece pois milhões de pessoas não têm acesso económico a comida suficiente:

Ligações à análise da subsistência: A abordagem da subsistência, que considera os bens e constrangimentos das pessoas, é uma ferramenta valiosa para melhorar o acesso à comida pelas pessoas pobres. Ajuda-nos a chegar à compreensão da insegurança e vulnerabilidade alimentar transitória. Isto inclui, por exemplo, como as mudanças na vulnerabilidade (infecção pelo VIH, seca), instituições (reformas de mercado) ou as fundações (degradação do solo) têm impacto nos resultados da subsistência (segurança alimentar). As estratégias de bens e de subsistência, incluindo as estratégias que não têm a ver com o cultivo, são valiosas porque elas nos permitem distanciar-nos do pensamento que a segurança alimentar se foca apenas na agricultura (Ver Módulo 2).

A biodiversidade e especialmente a agrobiodiversidade, são bens importantes que favorecem a segurança alimentar das pessoas pobres. A biodiversidade agrícola contribui para a realização de subsistências sustentáveis ao ser um elemento essencial da base de recursos naturais. Além disso, a maior extensão e volume de biodiversidade é detida pelos países em desenvolvimento. Estes recursos genéticos são particularmente importantes para a segurança alimentar e de rendimentos, cuidados de saúde e práticas culturais e espirituais. Isto é verdade para muitas comunidades rurais, nos países em desenvolvimento, pois os recursos genéticos são elementos cruciais para a gestão do risco ambiental e para a produção de comida. A importância do conhecimento local está relacionada de perto com este aspecto da segurança alimentar, porque não é suficiente ter diversidade genética disponível. As populações contam com o conhecimento local para a gestão sustentável e utilização destes recursos para que eles possam beneficiar deles (Mais detalhes sobre a agrobiodiversidade e o conhecimento local podem ser encontrados nas fichas informativas 1.1 e 1.2)

O VIH/SIDA tem sido um factor importante na discussão da segurança alimentar. Duma perspectiva das subsistências, o VIH/SIDA representa um choque severo, dentro do contexto de vulnerabilidade de muitas pessoas ao redor do globo. O VIH/SIDA ataca tipicamente os membros mais produtivos das famílias em primeiro lugar. Quando estas pessoas ficam doentes, existe um esforço na capacidade de trabalho, de se alimentarem e de providenciarem atenção na família. Há medida que a doença progride, pode ser ainda mais difícil para a família lidar com esse facto. O estado de pobreza avança à medida que os recursos se exaurem e os bens valiosos, tais como o gado e as ferramentas são vendidos para pagar as despesas com comida e medicamentos.

Sem comida ou rendimentos, alguns membros da família podem emigrar na procura de trabalho, aumentando as sua hipóteses de contraírem o VIH - e de o trazerem de volta para casa. Para outros, o sexo comercial pode ser a única opção para alimentar e suportar a sua família. A insegurança alimentar também leva à má nutrição, que pode agravar e acelerar o desenvolvimento da SIDA. Do mesmo modo, a doença em si própria pode contribuir para a má nutrição ao reduzir o apetite, interferir com a absorção de nutrientes e fazer exigências adicionais no estado nutricional do organismo. (www.fao/es/ESN/nutrition/household_hivaids_en.stm)

No Módulo 2, vai aprender mais acerca do sistema de subsistências e compreender como a segurança alimentar está colocada dentro dele de uma forma central.

NOTAS PARA O FACILITADOR - PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL

OBJECTIVO: A ficha infromativa 1.4 fornece uma curta introdução a um aspecto da segurança alimentar, que é a gestão sustentável da agrobiodiversidade, que é um pré-requisito importante para alcançar a segurança alimentar. Além disso, isto está directamente ligado ao conhecimento local e às relações de género.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes estejam cientes da importância global de uma segurança alimentar melhorada.

PROCESSO:

É importante mostrar aos participantes, desde o início, que a abordagem da formação é baseada na partilha mútua de conhecimento e informação. Além disso, o conhecimento dos participantes e formadores é igualmente respeitado e valorizado.

  1. Como uma introdução a esta sessão, os participantes podem partilhar ideias de como os três conceitos de agrobiodiversidade, género e conhecimento local são importantes para a segurança alimentar.

  2. O facilitador pode agrupar as diferentes ideias e o aspecto da “segurança alimentar” deveria ser sublinhado. Finalmente o facilitador pode: (a) apresentar uma definição de segurança alimentar baseada na ficha informativa 1.4. (b) Se o tempo disponível o permitir, os participantes podem formar pequenos grupos e desenvolver, por si próprios, uma definição de segurança alimentar, que irá então ser partilhada no plenário.

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes estejam conscientes que o curso inteiro está embutido no objectivo de conseguir alcançar a segurança alimentar. Além disso, que eles tenham estabelecido uma compreensão partilhada do termo.

TEMPO NECESSÁRIO: Mínimo 1 hora.

LEITURAS CHAVE - MÓDULO 1

Leituras chave para a ficha infromativa 1.1

Leituras chave para a ficha infromativa 1.2

Leituras chave para a ficha infromativa 1.3

Leituras chave para a ficha infromativa 1.4

MÓDULO 1 - REFERÊNCIAS

Bamako, Mali, 24–28.2.1997. pp. 85–92, Montpellier, France, Institut d'Economie Rurale, Bureau des Ressources Génétiques, Solidarités Agricoles et Alimentaires.

Bravo-Baumann, H. 2000. Capitalisation of experiences on the contribution of livestock projects to gender issues. Working Document, Bern, Swiss Agency for Development and Cooperation.

FAO. 1996a. Global plan of action for the conservation and sustainable utilisation of plant genetic resources for food and agriculture, Leipzig, Germany, June 1996.

FAO. 1996b. Rome Declaration on World Food Security and the World Food Summit Plan of Action, www.fao.org/docrep/003/w3613e/w3613e00.htm

FAO. 1997. Gender: the key to sustainability and food security, SD Dimensions, May 1997. www.fao.org/sd/

FAO. 1999a. Agricultural Biodiversity, Multifunctional Character of Agriculture and Land Conference, Background Paper 1, Maastricht, September 1999.

FAO. 1999b. Women: users, preservers and managers of agrobiodiversity. www.fao.org/FOCUS/E/Women/Biodiv-e.htm

Guinand, Y. & Lemessa, D. (2000), Wild-food plants in southern Ethiopia: Reflections on the role of “famine-foods” at a time of drought. UN-Emergencies Unit for Ethiopia, UNDP Emergencies Unit for Ethiopia.

Howard, P. 2003. Women and plants, gender relations in biodiversity management and conservation. United Kingdom, ZED Books.

IK Notes, No 23. August 2000. Seeds of life: Women and agricultural biodiversity in Africa.

IK Notes, No. 44. May 2002. The contribution of indigenous vegetables to household food security.

IIRR. 1996. Manual on Indigenous knowledge: Recording and using indigenous knowledge. A manual for development practitioners and field workers. International Institute of Rural Reconstruction. The Philippines.

IUCN/ DFID. (No date). Biodiversity in development, Biodiversity Brief No. 6. United Kingdom. www.iucn.org/themes/wcpa/pubs/pdfs/biodiversity/biodiv_brf_06.pdf

Mujaju, C., Zinhanga, F. & Rusike, E. 2003. Community seed banks for semi-arid agriculture in Zimbabwe. In Conservation and sustainable use of agricultural biodiversity. Published by CIP-UPWARD in partnership with GTZ, IDRC, IPGRI and SEARICE.

Oduol, W. 1995. Adaptive responses to modern technology: Kitui farmers in the semi-arid regions of eastern Kenya. In Technology policy and practices in Africa, Canada, International Development Research Centre.

Synnevag, G. 1997. Gender differentiated management of local crop genetic resources in Bafoulabe Cercle, Kayes region of Mali -A case study. In Actes du Colloque, Gestion des Ressources Génétiques de Plantes en Afrique des Savanes.

Thrupp, L.A. 1997. Linking biodiversity and agriculture: Challenges and opportunities for sustainable food security. World Resources Institute, USA.

Warburton, H. & Martin, A.M. 1999. Local people's knowledge. Best practice guideline. Socio-Economic Methodologies Programme, DFID, United Kingdom

Warren, D. M. 1991. Using indigenous knowledge in agricultural development. World Bank Discussion Paper No. 127, Washington, DC, World Bank.

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Web sites
FAO Web site on Agrobiodiversity: www.fao.org/biodiversity/index.asp?lang=en
FAO Web site on Gender, Agrobiodiversity and Local Knowledge: www.fao.org/sd/links
FAO Web site on Gender: www.fao.org/Gender/gender.htm
FAO Web site on Sustainable Development issues: www.fao.og/sd/index_en.htm
FAO Web site on HIV/AIDS: www.fao.org/hivaids/links/index_en.htm
FAO Web site on Food Security: www.fao.org/es/ESN/nutrition/household_hivaids_en.stm
World Bank Web site on indigenous knowledge: www.worldbank.org/afr/ik/what.htm

1 São fornecidas ideias para exercícios nas páginas com informação processual, que podem ser adaptados a diferentes actos de formação. Os exercícios marcados com a) são exercícios básicos que podem ser desenvolvidos se o tempo disponível for limitado. Os exercícios marcados com b) podem ser adicionados se houver tempo disponível.

2 As unidades administrativas básicas na Etiópia, que equivalem a um distrito

3 Ignorar/falhar em abordar a dimensão do género, em oposição a sensíveis ou género ou neutrais ao género


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