FAO no Brasil

Mapulu - a pajé Kamayurá do Parque do Xingu

17/10/2018

Mapulu Kamayurá é líder feminina do Parque Indígena do Xingu. Foi nomeada autoridade na aldeia ainda criança, pelo pai, o Cacique Kotok, e pela tia, que também atuava como liderança indígena dos Kamayurás. Hoje, atua como Pajé e como uma das vozes indígenas femininas mais expressivas do país.

A Pajé conta que em sua aldeia as mulheres têm papel fundamental em todas as atividades – do cuidado com a rotina da comunidade à perpetuação oral de suas culturas. “A gente trabalha na roça, cuida dos animais, cria e educa as crianças, faz os artesanatos, cozinha, cuida da casa, lava as roupas, busca doações. É um trabalho sem fim que é obrigação da mulher”, detalha.

Tais responsabilidades na vida das mulheres da aldeia começam cedo: meninas Kayamurás ficam reclusas do resto da comunidade por meses e, em alguns casos, por anos, dentro das malocas, até alcançarem a adolescência. O ritual, um dos mais importantes da etnia, se inicia quando elas encaram seu primeiro ciclo menstrual. Ficam então confinadas, sem pegar sol nem ter contato social, por meses. O prazo de reclusão é determinado pelos seus pais e, em geral, tem relação com o tempo que elas levarão para aprender a fazer artesanato e cozinhar.

Nesse período, as kamayurás deixam o cabelo crescer e têm a alimentação reforçada por uma dieta de beiju, mingau e peixe. A intenção é que ganhem peso e curvas rapidamente. Também são ensinadas a amarrar fios de palha nas panturrilhas e nas coxas para engrossar a perna. No fim do isolamento, recebem uma maratona de conselhos de familiares sobre a vida, a família, filhos, trabalho, casamento e, enfim, cumprem o ritual que as transforma em mulher.

Quando termina a reclusão, é montada uma grande festa onde são apresentadas à aldeia como mulheres formadas. A partir daí, já podem decidir quando e com quem irão casar e, automaticamente, entram na rotina da aldeia: passam a trabalhar diariamente na roça, assumem os afazeres das ocas, buscam água no rio, cuidam das crianças umas das outras. Aprendem a passar e a perpetuar, oralmente, à cultura Kamayurá. Algumas delas alcançam novos status quando são reintroduzidas à aldeia: viram parteiras, curandeiras, pajés, líderes.

Mapulu, além de líder, também é pajé Kamayurá. Atende pacientes e realiza partos em todo o Xingu. “Não tenho queixa da vida de mulher indígena. Trabalhamos muito, mas somos muito respeitadas entre os nossos. Mas no mundo fora da Aldeia a mulher índigena precisa de mais espaço. De mais voz. De participação”, lamenta.

São mais de 400 milhões de indígenas no mundo. Destes, metade é composta por mulheres. São elas que criam gado, plantam, pescam e caçam para coletar alimentos para suas comunidades. Elas também são consideradas as guardiãs de sementes, plantas medicinais e da biodiversidade da floresta, além de guardiãs da cultura de suas etnias.

Apesar de suas contribuições, as mulheres indígenas não fazem parte da política e dos processos decisórios que afetam suas vidas. Geralmente, as políticas de proteção social não incluem suas opiniões e necessidades. E, apesar de sua riqueza de saberes, seu trabalho, conhecimento e necessidades não estão representados nas estatísticas. Isso as torna invisíveis. “Sempre enfatizo a importância de levar as mulheres indígenas em consideração. Nós não somos pessoas que precisam de ajuda ou que são perpetuamente vulneráveis. Somos agentes de mudança. Temos potencial, mas esse potencial precisa ser catalisado ”, disse Mariam Wallet Aboubakrine, presidente do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas.

15 dias pela autonomia das mulheres rurais

Os papéis desempenhados pelas mulheres rurais são tão numerosos quanto suas lutas e vitórias. O que não faltam são histórias de vida inspiradoras. No entanto, ainda não possuem o reconhecimento merecido. Sofrem com o preconceito, com a desigualdade de gênero e com outros problemas que herdaram da vida. Ainda há um longo caminho para o equilíbrio de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. A fim de mostrar que equidade de gênero e respeito são valores necessários cotidianamente, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou que 2018 seria o Ano da Mulher Rural.

Pensando nisso, a partir do primeiro dia do mês de outubro, iniciamos, no portal, uma série de matérias que fazem parte da Campanha Regional pela Plena Autonomia das Mulheres Rurais e Indígenas da América Latina e do Caribe - 2018. Serão 15 dias de ativismo em prol das trabalhadoras rurais que, de acordo com o censo demográfico mais recente, são responsáveis pela renda de 42,2% das famílias do campo no Brasil.