FAO no Brasil

SIPAM: 20 anos celebrando a “cultura” na agricultura

Foto | ©️Mari Mendes
27/10/2022

Paisagens naturais impressionantes evoluindo ao longo dos séculos, os Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM/GIAHS na sigla em inglês) sustentam as comunidades e suas culturas simultaneamente. Dentro desses sistemas, existe uma relação simbiótica entre a paisagem agrícola e o ambiente social mais amplo. Assim como as comunidades dependem desses ecossistemas para sua subsistência, a conservação desses ecossistemas se baseia no conhecimento tradicional e nas práticas sustentáveis dessas comunidades.

Moldando e salvaguardando as paisagens únicas, este conhecimento está inserido nas tradições e culturas das comunidades. É celebrada em festas, incorporada em línguas, praticada em rituais e transmitida de geração em geração. Essas ricas tradições culturais não são apenas interessantes, mas também cruciais para a conservação e transmissão de conhecimentos e técnicas tradicionais que ajudam a preservar os recursos naturais.

Em comemoração ao 20º aniversário do programa SIPAM da FAO, aqui estão cinco locais reconhecidos e sua importância cultural:

Sistema Agrícola Tradicional na Serra do Espinhaço Meridional – Brasil

O Sistema Agrícola Tradicional na Serra do Espinhaço Meridional em Minas Gerais realiza um importante papel para o abastecimento de água e a conservação da vegetação nativa do bioma Cerrado, considerado a savana com a maior biodiversidade do mundo, e que  desempenha importante papel para o equilíbrio hidrológico do Brasil. Aproximadamente 90 espécies agrícolas alimentares são cultivadas nesse sistema, incluindo vegetais, árvores frutíferas, tubérculos, entre outras.

Os agricultores familiares e os povos e comunidades tradicionais reconhecidos como Apanhadoras de Flores Sempre-vivas contribuem para a conservação da valiosa flora e da paisagem da região. As atividades praticadas incluem, por exemplo, a coleta de flores sempre-vivas; a criação de gado nas áreas de uso comum – os campos de altitude com até 1.400 metros; a coleta de frutos, flores, sementes e de plantas medicinais nas áreas mais baixas; e a produção agrícola nos quintais agroflorestais e nos campos de cultivo em áreas mais extensas, localizados próximas às cotas mais baixas, aproximadamente 600m de altitude, tradicionalmente conhecidas como “sertão”. Por meio da convivência harmônica com o meio ambiente, essas comunidades desenvolveram, ao longo de várias gerações, formas de conhecimentos e práticas singulares para a manutenção e o uso sustentável de seus recursos naturais e genéticos. São, portanto, as guardiãs de um precioso mosaico de ecossistemas.

Sistema de terraço de pedra em terras secas em Shexian – China

O Sistema de Cultivo em Terraço de Pedra na região de terras secas de Shexian remonta à Dinastia Yuan. Este sistema agrícola de sequeiro consiste em uma série de terraços de pedra construídos no alto das montanhas do condado de Shexian, na China. O terraço mais alto está a uma altitude de mais de 1.000 metros com um gradiente de inclinação superior a 50 graus. As comunidades locais usam esses terraços para cultivar diversas culturas de grãos, como painço, culturas de rendimento e árvores frutíferas econômicas, como nogueiras e freixos espinhosos chineses.

As técnicas agrícolas e práticas culturais da comunidade conservam a paisagem e o ecossistema, bem como sua segurança alimentar e de subsistência. Os habitantes locais transmitem a sabedoria agrícola por meio de expressões agrícolas como “semear no início da chuva, crescer durante a chuva e colher no final da chuva” para descrever o uso ideal da precipitação em suas práticas agrícolas. Os costumes festivos e a cultura alimentar também se concentram nos cereais grosseiros produzidos nos terraços de Shexian. Por exemplo, para comemorar o Ano Novo Lunar, os aldeões fazem grandes quantidades de panquecas de milho que são consumidas até o dia 15 do primeiro mês do ano novo.

Sistema de Cultivo de Chá Tieguanyin de Anxi – China

A árvore de chá tieguanyin foi descoberta nas plantações de chá em terraços de Anxi, na China. Esta é a árvore de onde vem uma variedade premiada de chá oolong e, portanto, esta área foi considerada a origem da produção deste chá. Repleto de história, o sistema de cultura do chá de Anxi remonta à dinastia Song (960-1279 dC) e se espalhou pelo mundo através da Rota da Seda Marítima. Mais de 100 variedades de chá existem nesses terraços, e gerações de experimentação e adaptação por parte dos agricultores ajudaram a melhorar as técnicas de cultivo de chá em todo o mundo. 

A cultura do chá tieguanyin de Anxi influenciou a sociedade agrícola da região, bem como crenças religiosas, arte e literatura, entre outros. A Batalha do Chá, por exemplo, começou com o desenvolvimento dos chás oolong e tieguanyin. Os agricultores precisavam de uma maneira de se comunicar, aprender e competir uns com os outros sobre as técnicas de produção de chá e, assim, integrar essa competição pela qualidade das folhas de chá em sua vida social.

Sistema integrado do Lago Biwa e seus arredores – Japão

O sistema integrado do Lago Biwa e seus arredores combina a pesca tradicional do interior com a agricultura de arrozais, onde tanto o lago quanto os arrozais circundantes alimentam os peixes. Os pescadores desta área usam e aprimoram vários métodos de pesca há mais de 1.000 anos. Além disso, adaptaram a cultura local e as normas sociais para garantir a sustentabilidade dos recursos naturais e a conservação do ecossistema. As organizações de pescadores, historicamente criadas para evitar a competição e proteger a disponibilidade de recursos por meio de técnicas de pesca restritas, continuam existindo hoje. Esses regulamentos são efetivamente aplicados e, como resultado, as restrições permitiram aumentar a prevalência de importantes espécies endêmicas.

O Lago Biwa abriga 16 espécies endêmicas de peixes e é um local com uma rica cultura culinária. Narezushi, uma comida conservada preparada pela fermentação de vários peixes do lago local em arroz, é um exemplo da co-evolução da biodiversidade e sua culinária. Os moradores servem este prato em ocasiões especiais para receber os convidados e como oferenda aos deuses durante os festivais.

Sistema de cultivo de frutas na região de Kyoutou, Yamanashi – Japão

A fruticultura na região de Kyoutou, no Japão, prosperou ao longo dos séculos graças a métodos agrícolas adaptativos, como treliças especiais de vinhedos. As treliças do estilo Koshu, adaptadas às altas chuvas e condições úmidas da região, combinadas com grandes videiras espaçadas, permitem que os produtores minimizem os problemas de pragas e controlem o vigor da videira para salvaguardar a produção da uva, que é fundamental para a subsistência rural.

Acredita-se que esta região seja o berço do cultivo da uva japonesa, que remonta pelo menos há 800 anos. A maior parte da produção de uvas é destinada ao consumo direto e turismo. Além das uvas, outras frutas como pêssegos, ameixas e caquis, bem como algumas de suas variedades, crescem nessas terras.

As práticas culturais e os costumes locais tornam o cultivo da fruta próprio. Por exemplo, em festas e eventos são oferecidas orações por boas colheitas de suas árvores frutíferas, e os frutos cultivados ali servem como oferendas para templos e santuários, prática da vida cotidiana.

A cultura desempenha um papel importante na preservação dos conhecimentos e práticas agrícolas. Embora existam muitas razões pelas quais as comunidades desenvolveram essas tradições, entre elas a sobrevivência, é em parte o aspecto cultural da agricultura que está incorporado na vida cotidiana das comunidades e é transmitido às gerações seguintes, prolongando a conservação desses sistemas globalmente importantes.