FAO no Brasil

A liderança da mulher indígena para o desenvolvimento dos territórios ancestrais

Foto: Arquivo pessoal | Dona Terezinha (à dir.) participa de almoço para os professores da comunidade Porto Praia.
06/09/2021

Terezinha Marinho do Nascimento nasceu em Alvarães, região do Médio Solimões no estado do Amazonas. Filha de pai indígena do povo Ticuna em 1983 mudou-se a convite da família do marido para a comunidade Porto Praia, no município de Uarini, região do Médio Solimões. Anos 20 anos se tornou a primeira professora da comunidade, que na época tinha apenas 27 famílias.

“Quando cheguei era só um lugar, não uma comunidade. Não tinha organização. Foi só depois que comecei a dar aula que surgiram as primeiras lideranças, se formou a comunidade e as coisas foram evoluindo”, lembra Terezinha.

Desde muito nova, assumiu um importante papel de liderança e sempre acreditou e lutou por uma educação de qualidade não apenas para seu povo, mas para toda a região. Em seus anos como professora, ajudou a alfabetizar mais de 400 crianças e adultos. No início dos anos 90, passou a trabalhar na União dos Povos Indígenas do Médio Solimões e Afluentes (UNIPI/MAS), organização indígena local, como coordenadora de educação e assumiu uma cadeira no conselho da Amazônia para o mesmo tema. “Fui lutar por faculdade para indígenas, por técnico de enfermagem para os indígenas, para curso profissionalizante de agente de saúde indígena. Porque muitas vezes faltava essa formação”, explica.

Com o apoio das companheiras da UNIPI/MSA criaram o departamento para mulheres indígenas no âmbito da organização. Terezinha lembra que o grupo foi à Brasília para pedir a criação de uma turma de faculdade exclusiva para indígenas. “De uma sala com 30 pessoas, apenas 3 vagas eram para indígenas. E a minha luta era porque os indígenas faziam prova e não passavam, mas era porque tinha pouca vaga”, conta. Estiveram também no Fórum Social Mundial em 2008, ocorrido em Belém, no Pará.

Depois de uma forte mobilização não apenas a nível federal, mas também na região, elas conseguiram abrir uma turma exclusiva para indígenas na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Em outubro os alunos da primeira turma receberão seus diplomas, e a perspectiva é que outra turma comece para continuar avançando na educação dos povos e comunidades da região.

“A educação tem que crescer em nosso município. Eu luto para que a educação cresça, porque eu sei o quão difícil foi”, explica Terezinha, que também se defende de quem tenta chamá-la de barraqueira. “Dizem que sou barraqueira, mas não sou não, eu só quero o meu lugar”.

O departamento das mulheres indígenas, em 2009, tornou-se uma organização independente, a Associação das Mulheres Indígenas do Médio Solimões e Afluentes (AMIMSA), com atuação em 11 municípios, sendo uma das fundadoras e membro da primeira diretoria da organização.

Hoje Porto Praia tem mais de 70 famílias, cerca de 400 pessoas entre adultos e crianças e em 2004 teve homologado o pedido de demarcação de terra indígena. Além disso, faz parte de uma das regiões beneficiadas pelo projeto “Fortalecendo os Processos de Gestão Participativa dos Recursos Naturais para o Desenvolvimento Econômico Sustentável, Conservação da Biodiversidade e Manutenção dos Estoques de Carbono na Amazônia”, financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF em inglês) que será implementado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil e executado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) –entidade da sociedade civil, qualificada como organização social vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)–,  .

O objetivo é promover e aprimorar iniciativas de gestão participativa dos recursos naturais disponíveis na Amazônia como meio para o desenvolvimento socioeconômico sustentável da região, fortalecendo cadeias de valor baseadas na biodiversidade. Seus efeitos de médio e longo prazo serão a conservação da biodiversidade, a melhoria da qualidade de vida dos povos da floresta e a manutenção dos estoques de carbono, evitando a emissão de gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento global. Além de Porto Praia, o projeto também pretende trabalhar em outras seis terras indígenas, 20 unidades de conservação e outros seis territórios produtivos.

Fortalecimento dos saberes das mulheres indígenas

A professora aposentada, que hoje tem 61 anos de idade, agora também dedica seu tempo ao desenvolvimento da aldeia com a criação da Associação de Mulheres Indígenas de Porto Praia (AMIPP), um grupo de 72 mulheres engajadas com o objetivo de buscar recursos e capacitar as mulheres indígenas para a geração de renda e o fortalecimento dos conhecimentos tradicionais, além de mobiliza-las para  conquistarem empoderamento na aldeia, para exercerem mais participação e ocuparem mais espaços nas tomadas de decisões e gestão dos recursos.

Entre as atividades desenvolvidas pelas mulheres está a plantação de verduras, macaxeira e banana, mas sem a organização de uma associação as vendas acabam sendo menores do que o esperado. Além disso, a região passa por um período de cheia do Rio Solimões o que impossibilita a plantação em determinados períodos do ano. Buscando diversificar a fonte de renda, principalmente para o período das cheias, foi que Terezinha começou a notar que as mulheres indígenas da aldeia tinham habilidades para artesanato, saberes que estavam até então escondidos.

“Elas sabem costurar, tecer, pintar, fazer tapete, lençol de fuxico, e estamos perdendo de ensinar outras mulheres para que elas consigam ter mais recursos e vender o que sabem fazer. Estou lutando por uma casa, quero que tenha máquina, coisas de artesanato para as mulheres trabalharem. Eu lutei muitos anos por outras comunidades e aldeias, mas agora quero fazer mais pela minha aldeia, para aperfeiçoar o que temos”, explica.

Dona Terezinha tem a determinação para buscar o seu lugar, e sente muito orgulho do trabalho que desenvolveu ao longo da sua vida. “Todos que me conhecem sabem que eu luto mesmo, quando eu quero eu vou em frente. É o meu jeito, porque nós indígenas temos uma barreira para passar, então não podemos ficar de braços cruzado esperando”, explica.

Ela também conta que incentiva outras mulheres e jovens a assumirem o papel de liderança para que outras melhorias aconteçam no futuro. “Eu sempre digo: hoje eu estou aqui, mas amanhã não sou mais eu, são vocês que vão lutar por vocês. Eu explico como está a situação e o que eles precisam aprender a fazer, e é muito importante que todos os jovens estejam presentes”.

Quando questionada sobre o orgulho de sua aldeia, lembra com alegria do primeiro trabalho como professora e que se sente feliz de ter criado em Porto Praia suas 5 filhas e 2 filhos, onde se formaram na faculdade. “Fui a primeira liderança da comunidade, e eu vejo as pessoas que ensinei, um é gestor, outro enfermeiro, e a grande maioria professores de faculdade. Então eu me encho de orgulho do meu trabalho”. 

Dia Internacional da Mulher Indígena

O dia 5 de setembro é celebrado internacionalmente como o Dia Internacional da Mulher Indígena. As mulheres indígenas são produtoras de alimentos, guardiãs de sementes nativas e dos conhecimentos e práticas agrícolas tradicionais. Seus meios de subsistência sustentáveis são indispensáveis para o futuro.

Neste ano, a FAO chama a atenção para o que podemos fazer de diferente para empoderar as mulheres indígenas e seus povos em seus territórios. É papel de todas as pessoas, promover de ações claras para que as mulheres indígenas ganhem plena autonomia, reivindicando seu papel como agentes de mudança e, acima de tudo, como protagonistas de suas próprias histórias.