FAO in Portugal

"Agricultura Familiar: alimentando o mundo" por José Graziano da Silva, Diretor-Geral da FAO

13/10/2014

A luta contra a fome avança em todo o mundo, mas com cerca de 805 milhões de pessoas ainda sem o suficiente para se alimentarem, muito mais precisa ainda ser feito.

Sessenta e três países em desenvolvimento já atingiram a meta do Objetivo de Desenvolvimento do Milénio da fome, de reduzir para metade a percentagem de desnutrição crónica até 2015. O que as suas histórias nos dizem é que para ganhar a batalha contra a fome precisamosde um compromisso político, de uma abordagem holística, da participação da sociedade e da agricultura familiar.

Em todo o mundo, os agricultores familiares desempenham um papel socioeconómico, ambiental e cultural crucial que, enfrentando sérios desafios, deve ser valorizado e fortalecido através da inovação.
Reconhecendo isto, a Organização das Nações Unidas designou 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar. O tema deste ano do Dia Mundial da Alimentação também comemora a contribuição dos agricultores familiares para a segurança alimentar e para o desenvolvimento sustentável: eles alimentam o mundo e cuidam do planeta.

Os factos apresentados no relatório anual da FAO Estado da Alimentação e da Agricultura (SOFA), justificam claramente o ênfase na agricultura familiar.

Cerca de 500 milhões das 570 milhões explorações agrícolas em todo o mundo são geridas por famílias. São elas que cuidam dos nossos recursos naturais. Como setor, formam o maior empregador do mundo, fornecem mais de 80 por cento dos alimentos do mundo em termos de valor e são, muitas vezes, os principais produtores de alimentos frescos, prosperando na produção de laticínios, aves e suínos.

No entanto, muitos agricultores familiares, especialmente os produtores de subsistência, fazem parte dos 70 por cento da população do mundo em situação de insegurança alimentar que vive em áreas rurais. Isto significa que os agricultores familiares ainda têm um grande potencial por cumprir, tendo o apoio adequado. O SOFA aponta os desafios que o sector enfrenta e como podemos trabalhar juntos para superá-los.

Ao longo das últimas décadas, ocorreram mudanças profundas na forma como os alimentos são produzidos, comercializados e consumidos.

Ao mesmo tempo, a produtividade agrícola aumentou drasticamente, graças também ao progresso científico e tecnológico. A crescente população mundial, cada vez mais urbanizada, depende de alimentos produzidos por uma percentagem muito menor de agricultores, em relação ao período posterior à Segunda Guerra Mundial. O mercado para a agricultura e os produtos alimentares tornou-se globalizado. As dietas da grande maioria das pessoas no mundo dependem de apenas quatro commodities.

A agricultura familiar e o apoio que recebe devem ajustar-se para que possam responder a estas novas condições. A inovação é a chave para que isso aconteça: os agricultores familiares têm de inovar nos sistemas que utilizam; os governos têm de inovar nas políticas específicas que implementam para apoiar a agricultura familiar; as organizações de produtores têm de inovar para responder melhor às necessidades dos agricultores familiares; e as instituições de investigação e de extensão têm de inovar, passando de um processo de investigação orientada predominantemente para a transferência de tecnologia, para uma abordagem que promova e recompense a inovação pelos próprios agricultores familiares.

Além disso, em todas as suas formas, a inovação tem de ser inclusiva, envolvendo os agricultores familiares na geração, partilha e utilização do conhecimento, para que eles se apropriem do processo, assumindo os benefícios e os riscos, e certificando-se que realmente se adequa aos contextos locais.

Sem dúvida que os agricultores familiares têm de produzir alimentos suficiente não apenas para si, mas também para as pessoas nas áreas rurais que não estão envolvidos na agricultura e para os habitantes das cidades. Eles também têm de obter rendimentos – dinheiro para comprar fatores de produção, como sementes e fertilizantes, mas também para garantir meios de subsistência decentes, incluindo para a educação de seus filhos e outras necessidades.

Quando os agricultores familiares são mais fortes, todos ganham: mais alimentos disponíveis localmente significa mais segurança alimentar e a possibilidade de produzir e adquirir alimentos para e nos mercados locais. Por sua vez, isso significa refeições com maior qualidade e mais saudáveis, que respeitam a cultura local e valorizam os alimentos locais, contribuindo para uma melhor nutrição e promovendo as trocas comerciais nas economias locais, ajudando-as a florescer. A lista de potenciais benefícios não pára por aqui e inclui, por exemplo, a possibilidade de ligar a produção local com a alimentação escolar e a oportunidade de estimular as indústrias que resultam de uma produção florescente.

Estes esforços conduzem ao desenvolvimento rural e territorial sustentável, algo em que todos – agricultores, comunidades e governos, devem investir. Quando combinamos apoio à produção com a proteção social e a outras formas de políticas pública, como um melhor acesso aos serviços de saúde e educação, podemos criar um verdadeiro ciclo virtuoso de desenvolvimento sustentável.

Num esforço conjunto para promover o crescimento económico ambientalmente sustentável e socialmente inclusivo, as mulheres e os jovens merecem uma atenção especial. As mulheres desempenham um papel fundamental, mas este nem sempre é devidamente reconhecido ao longo do sistema alimentar – da produção, à comercialização de alimentos, garantindo também uma nutrição adequada às suas famílias. Ao mesmo tempo, devemos conter o êxodo da juventude rural, que muitas vezes é forçada a procurar outro lugar, quando deseja melhorar as suas condições de vida. Temos de criar as condições para que a juventude encare a vida nas zonas rurais como um futuro de oportunidades; isso inclui programas de formação que promovam o seu potencial empreendedorismo.

Como nos aproximamos do prazo limite dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, também estamos a trabalhar juntos para alcançar o futuro sustentável e sem fome que queremos. Os agricultores familiares são protagonistas neste esforço.