FAO em São Tomé e Príncipe

Crise alimentar generalizada iminente: a fome ameaça desestabilizar dezenas de países, alertam a FAO e o PAM

©FAO/Richard Trenchard

06/06/2022

Conflitos, condições climáticas extremas, choques económicos, os efeitos persistentes da covid-19 e as consequências da guerra na Ucrânia estão a empurrar milhões de pessoas em muitos países do mundo para a pobreza e a fome, enquanto o aumento dos preços dos alimentos e dos combustíveis, são desestabilizadores dos Estados, adverte um novo relatório sobre os focos de fome

06 de junho de 2022, São Tomé – A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PAM) lançaram hoje um aviso severo das muitas crises alimentares que se avizinham, alimentadas por conflitos, alterações climáticas abruptas, o impacto da pandemia covida-19 e o peso esmagador da dívida pública, e agravadas pelo impacto da guerra na Ucrânia, que precipitou o aumento dos preços dos alimentos e dos combustíveis em todo o mundo. Estas rupturas ocorreram em países já caracterizados pela marginalização rural e sistemas agro-alimentares frágeis.

Os autores do relatório publicado hoje sobre o título, Hotspots da Fome - FAO-WFP Early warnings on acute food insecurity, apelam a uma ação humanitária urgente em 20 "focos de fome" (onde se espera que o número de pessoas que sofrem de fome aguda aumente entre Junho e Setembro de 2022) para salvar vidas, proteger os meios de subsistência e prevenir a fome.

Segundo o relatório, a guerra na Ucrânia acelerou o aumento dos preços dos alimentos e da energia, o que já está a afetar a estabilidade económica em todas as regiões do mundo. Os efeitos serão provavelmente particularmente pronunciados onde a instabilidade económica e o aumento dos preços coincidirem com declínios na produção alimentar devido a mudanças bruscas no clima, incluindo secas ou inundações crónicas.

"Estamos muito preocupados com o impacto combinado destas crises sobrepostas, que ameaçam a capacidade das pessoas de produzir e aceder aos alimentos, empurrando mais milhões de pessoas para uma extrema insegurança alimentar", disse Qu Dongyu, Director-Geral da FAO. "Nos países mais afectados, estamos numa corrida contra o tempo para ajudar os agricultores, inclusive aumentando rapidamente a capacidade de produção de alimentos e reforçando a resiliência aos desafios futuros.

"Estamos perante uma investida de elementos que não só prejudicarão os pobres, mas afectarão milhões de famílias que mal têm mantido a cabeça acima da água", avisou o Director Executivo do PAM, David Beasley.

"As condições que prevalecem neste momento são muito piores do que as que vivemos durante a Primavera Árabe de 2011 e a crise dos preços dos alimentos de 2007-2008, quando 48 países foram desestabilizados pela agitação política, motins e manifestações. Já estamos a ver o que está a acontecer na Indonésia, Paquistão, Peru e Sri Lanka, e isto é apenas a ponta do iceberg. Temos soluções. Mas temos de agir, e agir depressa", advertiu.

Principais conclusões

O relatório afirma que, para além dos conflitos, choques climáticos frequentes e recorrentes continuam a exacerbar a fome aguda; estamos agora num novo normal em que secas, inundações, furacões e ciclones continuam a dizimar explorações agrícolas e criações, a deslocar pessoas e a empurrar milhões de pessoas para a beira do abismo em países de todo o mundo.

O relatório também adverte para os preocupantes padrões meteorológicos ligados a La Niña, que têm sido observados desde finais de 2020 e que se espera que continuem ao longo de 2022, alimentando necessidades humanitárias e fome aguda. Uma seca de magnitude sem precedentes na África Oriental, que afecta a Somália, Etiópia e Quénia, está a fazer com que a estação das chuvas seja marcada por precipitações abaixo da média pelo quarto ano consecutivo, enquanto que o Sul do Sudão enfrentará graves inundações pelo quarto ano consecutivo, o que é susceptível de aumentar a fuga de pessoas e causar a destruição de culturas e criações de animais. De acordo com o relatório, espera-se uma precipitação acima da média e um risco de inundações localizadas no Sahel, uma estação de furacões mais intensa do que o habitual nas Caraíbas, e precipitações abaixo da média no Afeganistão, um país já a recuperar de várias estações de seca, violência e convulsões políticas.

Os autores do relatório salientam também a urgência da situação macroeconómica desastrosa em vários países em resultado da pandemia da covid-19, que foi intensificada pela atual turbulência nos mercados globais de alimentos e energia. Isto está a causar perdas catastróficas de rendimento nas comunidades mais pobres e a pressionar a capacidade dos governos para financiar esquemas de proteção social, medidas de apoio ao rendimento e a importação de bens essenciais.

A Etiópia, a Nigéria, o Sul do Sudão e o Iémen, como focos de fome catastrófica, permanecem em “alerta máximo” e dois novos países, Afeganistão e Somália, se juntaram a essa categoria preocupante desde que o último relatório foi publicado em janeiro de 2022. Nestes seis países, parte da população encontra-se na Fase 5 do Quadro integrado de classificação de Segurança Alimentar Integrada (IPC), "catástrofe", ou em risco de catástrofe; até 750.000 pessoas podem sofrer de fome e morrer de fome. Destes, 400.000 encontram-se na região de Tigray, na Etiópia - a primeira vez desde a fome de 2011 na Somália que tal número foi noticiado num único país.

A situação no Haiti, na República Democrática do Congo, no Sahel, no Sudão e na Síria continua a ser "de grande preocupação", com elementos críticos a deteriorarem-se, como foi relatado na edição anterior deste relatório, e o Quénia foi acrescentado a esta categoria. Sri Lanka, os países costeiros da África Ocidental do Benin, Cabo Verde e Guiné, Ucrânia e Zimbabué foram acrescentados à lista de países considerados como focos de fome, juntando-se a Angola, Líbano, Madagáscar e Moçambique, de acordo com o relatório.

Evitar catástrofes através do aumento da ação precoce

O relatório fornece recomendações concretas, específicas para cada país, sobre as prioridades de resposta humanitária imediata para salvar vidas, evitar a fome e proteger os meios de subsistência, bem como medidas preventivas. O recente compromisso do G7 salientou a importância de reforçar a acção proactiva na assistência humanitária e de desenvolvimento, uma vez que ajuda a evitar que os perigos previsíveis se transformem em desastres humanitários de grande escala.

A FAO e o PAM associaram-se para aumentar o âmbito e a escala das medidas de preparação para garantir a sobrevivência e a segurança alimentar das pessoas e para proteger os seus meios de subsistência antes de precisarem de assistência para salvar vidas, no momento crucial entre um alerta e um choque. Através de um financiamento humanitário flexível, a FAO e o PAM podem antecipar as necessidades humanitárias e salvar vidas. As provas mostram que cada 1 dólar investido numa medida preventiva para proteger as pessoas e os meios de subsistência pode poupar até 7 dólares, uma vez que reduz as perdas sofridas pelas comunidades atingidas pela catástrofe.

Sobre o relatório

Identificados por meio de uma análise prospectiva, os “pontos críticos da fome” são lugares que provavelmente verão um aumento na insegurança alimentar aguda durante o período do relatório. Esses focos são selecionados por meio de um processo baseado em consenso envolvendo equipes de campo e técnicas do PMA e da FAO, além de analistas especializados em conflitos, riscos econômicos e naturais.

O relatório inclui recomendações concretas e específicas de cada país sobre prioridades para ação precoce (intervenções de proteção de curto prazo a serem implementadas antes que novas necessidades humanitárias se materializem) e resposta a emergências (medidas para atender às necessidades humanitárias existentes). O relatório faz parte de uma série de produtos analíticos produzidos sob a égide da Rede Global Contra Crises Alimentares para fortalecer e coordenar a produção e divulgação de informações e análises baseadas em evidências para prevenir crises alimentares e combater esse fenômeno.

 

Versão portuguesa da notícia original presente no seguinte: www.fao.org/newsroom/detail/fao-and-wfp-warn-of-looming-widespread-food-crisis-as-hunger-threatens-stability-in-dozens-of-countries/fr