FAO em São Tomé e Príncipe

COVID-19: Alimentando a África apesar da doença

Venda de produtos alimentares no mercado local © FAO/Ody Mpouo

06/05/2020

por Qu Dongyu, Josefa Sacko et Thokozile Didiza*

06 de maio de 2020, São Tomé – Para criar um filho, precisamos de uma vila, como dizem os africanos. Mas também podemos argumentar o contrário: para criar uma vila, precisamos de um filho.

Uma criança que recebe uma refeição escolar é uma criança que fica na sala de aula e se educa. A pressão econômica sobre a família diminue. Com o tempo, o efeito combinado da educação e de uma boa nutrição na tenra idade, se faz sentir na comunidades inteira, estabelecendo bases para sociedades mais saudáveis e produtivas. Estudos realizados sob a égide da União Africana mostram que, se os estados do continente estiverem livres da desnutrição infantil, eles poderão registrar um aumento do PIB de até 16%.

Por outro lado, se se fechar a escola, a criança não terá mais acesso à refeição escolar. As famílias se encontrarão em dificuldades. A criança corre o risco de uma redução de peso. A longo prazo, a vitalidade econômica desaparece. As sociedades perdem terreno. A promessa do desenvolvimento desaparece.

Como a maioria dos outros países, os países africanos responderam à crise do COVID-19 fechando escolas e atividades comerciais e restringindo a liberdade de circulação de pessoas. E se nos países ricos essas medidas implicam escolhas difíceis, no contexto africano, essas escolhas são comoventes. Com altas taxas de insegurança alimentar, uma grande força de trabalho informal, sistemas de saúde fracos, sistemas de proteção social fracos e uma margem de manobra limitada em termos de orçamento, os países africanos - muitos dos quais já enfrentam outras crises, como gafanhotos e secas - correm o risco de hipotecar seu futuro na esperança de proteger suas populações.

Para evitar danos irreparáveis, os confinamentos devidos a coronavírus na África devem ser acompanhados por medidas de mitigação rápidas e resolutas. Em particular, os governos deveriam - com o apoio de doadores, organismos multilaterais, ONGs e atores do setor privado - usar programas de proteção social onde eles existem e criar novos em outros lugares. Se a necessidade é particularmente sentida nas áreas rurais, as cidades enfrentam um grande risco em termos de estabilidade social: portanto, atenção urgente é necessária em ambos os casos. Agora é a hora de distribuir alimentos e dinheiro diretamente para as famílias.

Escusado será dizer que proteger a vida e a saúde é uma prioridade, mas a produção de alimentos e os meios de subsistência vêm logo depois. E é por isso que as atividades agrícolas devem ser mantidas. As fronteiras devem permanecer abertas para o transporte de bens alimentares e agrícolas: Não podemos permitir que a COVID-19 negue o progresso, alcançado às custas do trabalho paciente nos últimos anos, em direção a uma maior liberalização das trocas comerciais.

Além disso, nenhum esforços deve ser negligenciado com vista ao aumento da quantidade e da melhoria da qualidade dos produtos agrícolas. Produzir mais e melhor significa aumentar a capacidade. Toda a assistência técnica necessária para isso deve ser disponibilizada. Hoje, precisamos de abordagens que sejam viradas para o futuro, com cadeias de suprimentos mais curtas e ferramentas de comercialização inovadoras que permitam conectar o produtor ao consumidor por meio do comércio eletrônico.

Tomando todas as precauções necessárias, as sementes e o material de plantação devem continuar a chegar aos pequenos agricultores, os alimentos para animais e os cuidados veterinários devem ser fornecidos às comunidades que dependem de da criação de animais e insumos de aquicultura, para piscicultores. As cadeias de suprimentos agrícolas devem ser mantidas por todos os meios, observando-se as medidas de segurança sanitária. Os calendários agrícolas devem ser respeitados, caso contrário, culturas vitais poderiam ser perdidas e alguns plantios impossibilitados, o que afetaria ainda mais a disponibilidade de alimentos. Da mesma forma, os pastores - atores-chave da segurança alimentar em algumas áreas da África - devem continuar tendo acesso ao pasto. As reservas estratégicas de urgência de alimentos, vinculados a planos de proteção social, devem ser monitorados e reabastecidos.

Um cancelamento da colheita este ano teria consequências catastróficas. Por outro lado, agora é a hora de parar as perdas pós-colheita, incentivando o investimento em equipamentos de armazenamento e refrigeração. Ao mesmo tempo, a queda nos preços da energia pode marcar uma transição histórica para a mecanização.

As previsões econômicas indicam que o PIB dos países ricos pode cair um terço no segundo trimestre do ano. Nenhum país pode se dar ao luxo de ignorar um colapso dessa magnitude. A diferença que separa as famílias africanas da fome é tão pequena, e as defesas que as sociedades têm para combater o desastre são tão precárias que, se não tomarmos as medidas necessárias desde o início, uma tragédia nos espera no final. Nesse contexto, os países africanos devem proteger, promover e fortalecer ainda mais o comércio inter-regional.

Cientes dessa emergência, a FAO, os ministros da Agricultura da União Africana e os parceiros internacionais se reuniram virtualmente em meados de abril para se comprometerem em minimizar ao máximo, a interrupção do sistema alimentar em África, enquanto continuam trabalhando para controlar a pandemia. As medidas incluem entre outras, a autorização para atravessar fronteiras com os bens alimentares e agrícolas e a prestação de assistência direta aos cidadãos africanos - de preferência e, se possível, na forma de dinheiro eletrônico ou cupons. A União Europeia, o Banco Mundial e o Banco Africano de Desenvolvimento prometeram apoio de vários bilhões de dólares, na forma de financiamento, novo e redirecionado, e na forma de assistência técnica.

Nossa determinação é baseada em nossa experiência. A epidemia de Ebola resultou em uma redução drástica na produção de alimentos nas regiões afetadas. Com o COVID-19, podemos impedir que esse desastre ocorra novamente. Nem tudo depende de nós. Mas o que depende de nós precisa ser feito.

 

O Sr. QU Dongyu é o Diretor Geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

 

A Srª. Josefa Sacko é Comissária da União Africana para Economia Rural e Agricultura.

 

A Srª. Thokozile Didiza é Ministra da Agricultura, Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural na África do Sul e Presidente do Comitê Técnico especializado de Agricultura da União Africana.

 

Versão portuguesa da notícia original presente no seguinte link: http://www.fao.org/africa/news/detail-news/fr/c/1272706/