![]() | A DINÂMICA DO GÉNERO E A AGROBIODIVERSIDADE | ![]() |
COMPREENDER O CONTEXTO ESPECÍFICO
DA VULNERABILIDADE DO GÉNERO
No Módulo 1 aprendemos que os homens e as mulheres desempenham um papel importante, mas muitas vezes distinto no que respeita à gestão e conservação da biodiversidade agrícola. Frequentemente existe uma diferenciação clara do género em termos da divisão de trabalho, funções e responsabilidades na agricultura. Isto torna os homens e as mulheres responsáveis pela gestão de diferentes aspectos da agrobiodiversidade, tendo propósitos e exigências diferentes. Isto, por sua vez, tem um impacto sobre o seu conhecimento da gestão e utilização dos elementos específicos da biodiversidade agrícola.
O Módulo 2 enfatiza a importância de analisar a biodiversidade agrícola dentro de um sistema mais amplo de subsistência. A realidade, em termos das relações de género e suas ligações com a agrobiodiversidade, é muito mais complexa. Além disso, um número de tendências e choques que exercem impacto sobre a gestão e conservação da biodiversidade agrícola e conhecimento local também devem ser analisados. (Consultar o Módulo 2, Figura 1 “sistema de subsistência sustentável”).
Mudança nos hábitos de dieta: A cultura e os valores culturais são, e têm sido, a força motriz da gestão e conservação da biodiversidade agrícola. Isto acontece porque a diversidade cultural está intimamente relacionada com a diversidade biológica. Por outras palavras, as culturas de alimento e hábitos de dieta são uma parte importante da cultura das populações. O papel das mulheres na esfera doméstica, inclui cozinhar, a preparação de refeições e muitas vezes também implica o cultivo de culturas específicas. A tarefa das mulheres é principalmente a colheita, a preparação e a gestão de plantas silvestres (Howard, 2003). Com o aumento da disponibilidade dos alimentos de conveniência, tais como massas e o pão, descobriu-se que os hábitos locais de alimentação estão a mudar nas comunidades rurais. Em muitos casos, o aumento do volume de trabalho das mulheres contribui para a mudança da dieta alimentar, visto que as mulheres têm menos tempo para gastar na preparação de alimentos. Isto é especialmente verdade nas nos casos em que as mulheres são chefes de família devido à migração ou ao VIH/SIDA. A mudança dos hábitos na dieta alimentar pode levar à erosão do conhecimento das mulheres em relação ao processamento, preparação e armazenamento, assim como, à erosão da diversidade das plantas, da segurança alimentar da família e da saúde (Howard 2003).
Substituição das culturas locais: As culturas locais, cuja intenção é a produção para o uso, são frequentemente substituídas pelas culturas introduzidas para fins comerciais. Isto significa muitas vezes que os homens substituem as mulheres. Esta transferência pode ter, entre outras, implicações, repercussões na capacidade das mulheres cumprirem as obrigações familiares, incluindo a provisão de alimentos tradicionais, segurança alimentar e a diversidade das plantas. Por exemplo, um estudo de caso do Mali (Wooten 2003) mostrou que as mudanças na produção hortícola, nas imediações de Bamako, levaram a uma mudança de culturas e a uma mudança dos papéis dos homens e das mulheres. A produção comercial hortícola teve lugar na bacia fértil do rio e portanto as mulheres tiveram que encontrar outras áreas para o cultivo das suas plantas tradicionais que são necessárias para a confecção de molho. Nas últimas décadas, a jardinagem, muito associada às mulheres e à economia alimentar, tornou-se um assunto de homens e um empreendimento comercial.
Desenvolvimento das infra-estruturas de mercado: Existe uma tendência crescente na integração das comunidades e indivíduos nos mercados. Com esta mudança direccionada para a comercialização da agricultura, as tecnologias e inovações modernas criaram sistemas altamente dependentes de investimentos externos que têm, muitas vezes, excluído as mulheres. As razões são de vária ordem, incluindo o acesso limitado a facilidades de crédito e à informação, devido à falta de oportunidades de formação. Em muitos casos estas tendências de desenvolvimento têm tido um efeito neutro sobre as mulheres ou levaram à deslocação das actividades agrícolas das mulheres. As mulheres tiveram que mudar-se para terras mais marginais o que levou à substituição de culturas e raças de animais locais, que por sua vez, pode ter implicações na segurança alimentar familiar.
Actualmente, em muitas partes do mundo existe uma tendência para o aumento da “feminização da agricultura”. À medida que a participação dos homens na agricultura declina, o papel das mulheres na produção agrícola torna-se cada vez mais dominante. As guerras, doenças e mortes causadas pelo VIH/SIDA reduziram a população rural. Outra grande causa para a feminização da agricultura, é a migração dos homens das zonas rurais para as cidades dos seus próprios países ou do estrangeiro à procura de emprego remunerado. Em África, por exemplo, a população masculina nas zonas rurais está a decrescer rapidamente, enquanto que a população feminina permanece relativamente estável. No Malawi, a população masculina rural decresceu em 21.8 por cento entre 1970 e 1990. Durante o mesmo período de 20 anos, a população rural feminina decresceu apenas 5.4 por cento. Esta tendência resultou num aumento da proporção de famílias lideradas por mulheres. Actualmente, aproximadamente um terço de todas as famílias rurais na África sub-Sahariana é actualmente liderado por mulheres. Vários estudos mostraram que as mulheres chefes de família tendem a ser mais jovens e menos formadas do que os seus homólogos masculinos. Geralmente, elas têm menos terra, menos capital e falta-lhes mão-de-obra para a agricultura. Estas mudanças levam constantemente a ajustamentos nos padrões de culturas e sistemas agrícolas (FAO).
Os choques dentro do contexto da vulnerabilidade têm um impacto nas relações de género e nas interacções com outros bens da subsistência. OVIH-SIDAé um exemplo importante disto, porque foram afectadas milhões de famílias em África.
Para os agregados familiares dependentes da agricultura, a consequente reestruturação do trabalho intra-familiar pode levar a um declínio na produção de culturas, que pode resultar em insegurança alimentar e num decréscimo geral nos bens financeiros. As famílias podem, então, responder com uma série de outras estratégias. Por exemplo, no Uganda, uma resposta inicial típica dada pelas famílias de agricultores é a mudança do conjunto dos produtos agrícolas Isto seria para se focarem primeiro em produzir o suficiente para a subsistência e depois para cultivar excedentes para vender no mercado (Armstrong, 1993). Outra resposta comum é a redução da porção de terra de cultivo, resultando em colheitas reduzidas (FAO 2003). Um estudo de caso recente no Uganda, mostrou que isto era particularmente evidente nas famílias afectadas que eram lideradas por mulheres, as quais cultivaram em média apenas 1.3 acres, comparando com as famílias afectadas que eram lideradas por homens que cultivaram em média 2.5 acres (FAO 2003).
Foi observado que algumas famílias afectadas pelo VIH/SIDA se viraram para a produção de gado, como uma alternativa à produção agrícola, quando os solos se tornaram inférteis e as práticas da gestão de culturas se tornazam muito exigentes para o trabalho disponível. Outras famílias vendem gado mais frequentemente para pagarem as despesas médicas e fúnebres. Outra tendência que também foi identificada é aquela em que as famílias criam animais de espécies pequenas, tais como porcos e aves domésticas, uma actividade de trabalho menos intensiva e mais acessível para as mulheres. Foi identificada uma alteração na qual os agricultores mudam de culturas que exigem uma mão-de-obra intensiva, para outras que necessitam de menos trabalho, que são resistentes às secas e cultiváveis ao longo de todo ano, tais como a mandioca e a batata-doce. Verificou-se também, uma redução no cultivo das culturas de rendimento. Os agricultores escolheram focalizar o trabalho disponível na produção de culturas secundárias de subsistência, muitas vezes para optimizar a segurança alimentar da família (White and Robinson 2000).
A resposta de uma família afectada pelo VIH-SIDA é a de voltar aos sistemas agrícolas baseados nas culturas e gado locais. Isto mostra como os choques podem exercer um impacto sobre as relações de género e gestão de bens de subsistência.
Os homens e as mulheres desempenham papéis importantes mas muitas vezes distintos na gestão e conservação da agrobiodiversidade. Existe uma clara diferenciação do género em termos da divisão de trabalho, papéis e responsabilidades na agricultura.
Um número de tendências e choques exercem impacto sobre a gestão e conservação da biodiversidade agrícola e conhecimento local. Estes influenciam também as relações de género.
A cultura e os valores culturais são e têm sido a força motriz para a gestão e conservação da biodiversidade. A mudança da cultura de alimentação e hábitos de dieta pode levar à erosão do conhecimento das mulheres relacionado com o processamento, preparação e armazenamento, assim como à erosão da diversidade de plantas e segurança alimentar da família e sua saúde.
Com a tendência virada mais para a agricultura comercial, as tecnologias e inovações modernas criaram sistemas altamente dependentes do investimento externo. Estes muitas vezes apoiam-se em espécies e variedades introduzidas que, por sua vez, introduziram mudanças nos papéis do género.
As mudanças dentro da composição da família afectam os recursos de trabalho disponíveis e têm um impacto profundo sobre as práticas da gestão agrícola e agrobiodiversidade.
Os choques, tais como o VIH-SIDA, dentro do contexto da vulnerabilidade, têm um impacto sobre as relações de género e a interacção com outros bens de subsistência.
PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL - NOTAS PARA O FACILITADOR | ![]() |
OBJECTIVO: A ficha informativa 3.1 tenta aumentar a consciência dos participantes da importância de considerar e compreender o contexto no qual a gestão e conservação da agrobiodiversidade agrícola tomam parte. A compreensão da natureza dinâmica deste contexto é crucial para o planeamento de uma intervenção bem sucedida e sensível ao género.
OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes compreenderem o impacto das tendências e choques sobre a biodiversidade agrícola e reconhecerão a relevância das relações de género dentro deste contexto.
PROCESSO:
Os participantes devem ser encorajados a explorarem as questões levantadas na ficha informativa 3.1 baseando-se na sua própria experiência de trabalho. O formador pode facilitar este processo criando três grupos, que poderão explorar os choques possíveis, as tendências e a sazonalidade, situações que podem afectar a gestão da biodiversidade agrícola na perspectiva do género. Os grupos podem sentar-se juntos e discutirem as suas ideias que serão posteriormente apresentadas em plenária depois de um curto período de tempo. Este exercício pode levar 1 hora no total.
O facilitador pode depois completar as conclusões com outros assuntos chave realçados na página factual. Nesta fase, será importante relacionar a discussão com a estrutura do meio de subsistência sustentável introduzida no Módulo 2. Se possível, um gráfico visual com os diagramas do meio de subsistência pode estar disponível ao longo do curso.
O facilitador, para explorar os efeitos positivos e negativos das mudanças de género sobre a biodiversidade agrícola, pode facilitar a discussão do pódio. Esta discussão não pode durar mais de uma hora, incluindo o tempo de preparação.
RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes ganharem experiência do uso da estrutura do meio de subsistência para explorarem o impacto do contexto sobre a gestão da agrobiodiversidade e relações de género.
TEMPO NECESSÁRIO: mínimo de 3 horas
![]() | VALORES E BENEFÍCIOS DA AGROBIODIVERSIDADE NA PERSPECTIVA DO GÉNERO | ![]() |
A fim de compreender os valores e benefícios da biodiversidade agrícola na perspectiva do género, devemos olhar primeiro para os diferentes valores e benefícios da agrobiodiversidade no geral. Existem duas categorias principais de valores que precisamos distinguir. Elas são os valores do uso e os valores de não uso1. A primeira categoria pode ser dividida em três subcategorias principais:
Valores de uso directo referem-se aos benefícios resultantes de usos reais, tais como a comida, a forragem, o abrigo, os rituais, valores medicinais e a comercialização. Estes valores também podem ser divididos em valores de rendimento e valores de não rendimento. Esta distinção é importante para se entenderem as diferenças de género.
Valores de uso indirecto são os benefícios derivados das funções dos ecossistemas, tais como a adaptação a ambientes marginais e contribuição para os ciclos dos nutrientes. Também se podem considerar, deste tipo, os valores culturais e sociais obtidos da biodiversidade agrícola (ex. o estatuto social).
Valores de opção são derivados do valor dado à protecção de um bem para a opção de o usar no futuro. Estes podem ser vistos como um tipo de valor de seguro contra a ocorrência de, por exemplo, novas doenças ou mudanças climáticas.
Os valores de não uso incluem o valor da existência, ara as comunidades biológicas, ou áreas de beleza paisagística. Estes geralmente referem-se, em termos simples, ao valor que as pessoas estão dispostas a pagar para prevenir que uma espécie se extinga ou que uma área seja desenvolvida (Funtowicz and Ravetz, 1994). O valor da existência é relevante para um grupo muito mais alargado de intervenientes, visto que não está ligado a nenhum uso directo. Por exemplo, as pessoas podem pagar para ver vida animal ou vegetal noutro país ou região que não podem ver no seu próprio local de residência.
O leque de valores e benefícios obtidos da gestão da biodiversidade agrícola está intimamente relacionado com as estratégias subjacentes de subsistência e seus resultados que as diferentes populações procuram (Consultar o Módulo 2, sobre as estratégias e resultados da subsistência).
Os valores que tem uma maior importância imediata na gestão da agrobiodiversidade são os valores de uso directo. Sabemos que a biodiversidade agrícola apenas pode ser mantida se as populações que a gerem obtêm benefícios ou usos directos de o fazer. Vamos, portanto, focar-nos mais nestes tipos de valores. A aplicação de uma perspectiva de género mais diferenciada aos valores de uso directo, vai ajudar-nos a compreender melhor os benefícios obtidos da gestão da agrobiodiversidade.
Tomando como exemplo a gestão do gado, sabemos que homens e mulheres em todo o mundo participam na produção de gado. Contudo, homens e mulheres geralmente:
Possuem diferentes espécies de animais. Os homens tendem a ser responsáveis pelo gado e pelos animais de grande porte, enquanto as mulheres são responsáveis pelos animais de pequeno porte, tais como pequenos ruminantes e aves domésticas.
Têm responsabilidades diferentes. Independentemente de a quem pertença o animal, as mulheres são muitas vezes responsáveis pelo cuidado dos animais jovens, limpeza dos estábulos individuais ou o retirar do leite dos animais. Os homens estão ocupados com os rebanhos, a reprodução e o abate. Ou, as mulheres podem ser responsáveis pelos cuidados diários e os homens pela gestão e administração.
Utilizam diferentes produtos de animais. Em muitas sociedades, as mulheres utilizam os animais pelo o leite e produtos derivados, enquanto, em muitos casos, os homens usam os animais pela sua carne, pele e para tracção.
Tanto os homens como as mulheres beneficiam dos valores do uso directo obtidos da criação de gado. Não obstante, os homens concentram-se mais nos valores de rendimento obtidos através da comercialização dos produtos de gado ou outros animais, enquanto para as mulheres, em muitos casos, os valores de não rendimento são de maior importância (Anderson, 2003).
Aspectos similares aplicam-se a gestão dos recursos genéticos de plantas por mulheres. Aqui elas são muitas vezes responsáveis pela gestão e conservação de culturas de alimentos menores, utilizados para o consumo caseiro, rituais e pelas suas propriedades medicinais. Geralmente, estas espécies são cultivadas em jardins caseiros ou são intercaladas em pequenas áreas dos campos principais. Os homens são frequentemente responsáveis pelo cultivo das culturas principais e comerciais, que são cultivadas nos campos fora da fazenda. O exemplo seguinte de uma aldeia Bamana no Mali, mostra os papéis e responsabilidades do género na produção de culturas (ver Caixa 1).
[Caixa 1] PAPÉIS DO GÉNERO NA PRODUÇÃO DE CULTURAS NUMA ALDEIA BAMANA (MALI) |
Os homens na vila de Bamana no Mali trabalham colectivamente no campo principal das terras altas pertencentes ao seu grupo (foroba), que está situado numa área de mato, a poucos quilómetros da povoação. Aqui, produzem uma série de culturas principais incluindo o sorgo (nyo - Sorghum bicolor), o milhete (sanyo -Pennisetum glaucum), o milho (kaba - Zea mays), a ervilha de vaca (sho - Vigna unguiculata), o amendoim (tiga - Arachis hypogaea), e o amendoim de Bambara (tiganinkuru - Voandzeia subterranea) |
As mulheres, por outro lado, são responsáveis pelo cultivo e colheita de plantas necessárias para a preparação dos molhos que acompanham os cereais das culturas dos homens nas refeições diárias. Na época de chuvas, as mulheres casadas trabalham individualmente nos campos das terras altas que lhes são designados pelos dutigiw para produzir nafenw, ou “coisas de molho”. Em muitos casos, as mulheres intercalam amendoim (tiga -Arachis hypogaea), ervilha de vaca, kenaf (dajan - Hibiscus cannabinus), roselle (dakumum ou dabilenni - Hibiscus sabdariffa), quiabo (gwan - Abelmoschus (Hibiscus esculentus) e sorgo. Elas focam os seus padrões de cultivo em folhas e itens vegetais tradicionais que complementam as culturas básicas produzidas nosforobaw.A vasta maioria das culturas das mulheres é destinada ao consumo directo, embora, de tempos em tempos, alguns itens sejam vendidos para gerar rendimento que é tipicamente utilizado na compra de ingredientes comerciais para o molho, tais como os cubos de sopa, óleo vegetal ou sal. Para além do cultivo de culturas de condimentos nos campos das terras altas durante a época chuvosa, as mulheres, ao longo do ano recolhem várias plantas silvestres ou semi-silvestres dos seus campos ou áreas de arbustos para o uso nos seus molhos. Por exemplo, elas apanham e processam as folhas da árvore do baobá (Adansonia digitata) como um ingrediente chave para o molho e utilizam a fruta da árvore de nozes shea (Butryospermum parkii) para fazer óleo de cozinha e loção para o tratamento da pele. As mulheres conservam estas árvores produtivas nos seus campos e fazem uso destas espécies nas matas em redor da comunidade. Desta forma uma vasta variedade de verduras silvestres ou semi-silvestres é regularmente utilizada na confeição dos seus molhos. |
Fonte: Wooten, 2003. |
Contudo estas responsabilidades podem mudar e mudam. Por exemplo, com a emigração dos homens, as mulheres podem passar a desempenhar o papel dos homens e a descentralização pode mudar a ênfase da produção do leite para a produção de carne. Mais ainda, a mecanização e outras inovações técnicas podem envolver os homens no que eram anteriormente sistemas de produção das mulheres.
Os quatro aspectos chave que se seguem são importantes porque ajudam na avaliação e compreensão dos diferentes valores e benefícios obtidos da agrobiodiversidade na perspectiva do género:
Determinar a divisão actual de trabalho e a posse de diferentes componentes de culturas/gado
Avaliar o papel das culturas/gado na economia familiar tanto para homens como para mulheres. Por exemplo, as mulheres podem utilizar culturas/gado e produtos de gado para o consumo da família, geração de rendimentos, investimento das suas economias, ou como garantia contra riscos económicos ou pessoais no futuro.
Ter em conta os diferentes usos de culturas/gado na economia local - por exemplo, tracção, carne, leite, estrume, peles, lã ou usos cerimoniais
Incluir o processamento/marketing de culturas/gado e produtos de gado, nos quais as mulheres, muitas vezes desempenham um papel chave.
Estas diferenças, baseadas no género, reflectem as diferentes estratégias e resultados da subsistência adoptados e perseguidos por homens e mulheres, e exemplificam os diferentes valores obtidos por este meio. O papel chave das mulheres rurais como fornecedores e produtores de alimentos, liga-as directamente à gestão dos recursos genéticos para assegurar a produção de alimentos para a família. Ao mesmo tempo, o papel dos homens como ganhadores de rendimentos liga-os, mais vezes, a culturas de rendimento e a espécies e variedades melhoradas.
Para os valores de uso indirecto é importante considerar o estatuto social obtido pela gestão ou posse dum determinado recurso. O estatuto na comunidade ou sociedade pode ser definido como um valor de uso indirecto. O estatuto dos homens e mulheres é muitas vezes definido pelo seu acesso e controlo sobre os recursos das plantas e animais. A criação de galinhas no quintal, por exemplo, é, em muitos locais, um critério para o estatuto social da família. Um estudo de caso no Botsuana revelou que acima de 80% dos criadores de galinhas nos quintais são mulheres e que a ausência das galinhas é vista como um claro sinal de pobreza (Moreki, 2001). Este exemplo mostra que a criação de galinhas não resulta apenas em valores de uso directo (ovos, carne), mas também em valores de uso indirecto, tais como o estatuto social. No Botsuana, assim como em muitas regiões Africanas, as galinhas são geralmente consideradas como gado criado pelas mulheres, principalmente porque são consideradas como de menor valor comercial que outros tipos de gado (vacas e cabras) (Moreki 2001). O estatuto dos homens numa tal sociedade pode ser definido pelo número de cabeças de gado que detém ou por outro critério similar.
Na introdução dissemos que os valores de opção são derivados do valor dado à salvaguarda de um bem. Isto permite a opção de vir a usar o bem no futuro. É um tipo de valor seguro contra a ocorrência de, por exemplo, novas doenças ou mudanças climáticas. É difícil avaliar se a população está ciente deste tipo de valor e até que ponto este pode influenciar a suas práticas de gestão. Mas, de qualquer forma, existem exemplos de agricultores que cultivam ou não eliminam as espécies de plantas silvestres dentro dos seus campos. Eles sabem que estas podem ser importantes para a sua segurança alimentar em caso de falha das culturas principais. Neste sentido eles reconhecem o valor de opção destas espécies selvagens.
A extensão dos valores e benefícios obtidos da gestão da biodiversidade agrícola está intimamente relacionada com as diferentes estratégias subjacentes da subsistência e seus resultados perseguidos pelas populações.
Os valores de uso directo são de maior importância imediata para a gestão da agrobiodiversidade. Sabemos que a biodiversidade agrícola apenas pode ser sustentada se as populações que a gerem obtiverem benefícios ou usos directos de o fazer.
Aplicar uma perspectiva de género mais diferenciada aos valores de uso directo ajudará a compreender melhor os benefícios obtidos no manejo da agrobiodiversidade.
Tanto os homens como as mulheres, beneficiam dos valores de uso directo obtidos da criação de gado. Contudo, os homens focam-se mais frequentemente nos valores de rendimento obtidos através da comercialização dos produtos de gado ou animais. Enquanto que em muitos casos os valores de não rendimento são de maior importância para as mulheres.
Em termos dos valores de uso indirecto, é importante considerar o estatuto social obtido pelo gestão ou posse de um determinado recurso.
Os valores de opção são derivados do valor dado à protecção de um bem. Isto fornece a opção de este ser usado no futuro. É um tipo de valor de seguro contra a ocorrência de, por exemplo, novas doenças ou mudanças climáticas.
OBJECTIVO: A ficha informativa 3.2 tem como objectivo introduzir os diferentes valores e benefícios obtidos da biodiversidade agrícola e realçar as diferenças de uma perspectiva diferenciada em relação ao género. O seu objectivo é de ampliar a compreensão dos participantes quanto aos diferentes valores potenciais. Também liga estes valores as estratégias globais e resultados da subsistência adoptados por diferentes actores.
OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes compreendam a diferença entre os valores de uso directo e indirecto e os valores de não uso e serem capazes de identificar os valores potenciais para diferentes estratégias e resultados da subsistência.
PROCESSO:
Breve introdução ao tópico pelo facilitador, com base na ficha informativa 3.2. (máximo 30 minutos)
Os participantes podem, então, assistir ao vídeo da FAO sobre a diversidade do gado em África (Livestock diversity in Africa), com o foco principal nos benefícios obtidos da diversidade de gado. (20 minutos)
Depois, os participantes podem dividir-se em grupos para tentarem identificar as diferentes categorias de benefícios e valores. A partir da sua própria experiência de trabalho, podem também adicionar mais exemplos sobre a diversidade das plantas. (1 hora)
As conclusões dos trabalhos em grupo serão apresentadas em plenário. O processo levará à identificação e sistematização de diferentes categorias de benefícios e valores. Este processo de sistematização pode, depois, ser complementado pelas categorias sugeridas na ficha informativa 3.2. (1 hora)
A seguir, se o tempo disponível o permitir, os participantes poderão discutir em plenário a importância de diferentes categorias de valores para diferentes estratégias de subsistência. Este debate poderá levar a uma reflexão das diferenças do género em termos de valores e benefícios obtidos. (45 minutos)
RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes reconheçam a diversidade dos valores e benefícios obtidos da agrobiodiversidade para diferentes populações e diferentes estratégias de subsistência. Isto irá ajudá-los a aplicarem mais o modelo de subsistência e aumentará a sua consciência sobre a complexidade da gestão da biodiversidade agrícola.
TEMPO NECESSÁRIO: 3–4 horas.
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RELAÇÕES E POLÍTICAS DO GÉNERO, INSTITUIÇÕES E PROCESSOS
Existem uma série de instrumentos legais que regulam a gestão e uso da biodiversidade agrícola. Embora estejam estabelecidos ao nível global, parece difícil localizá-los ao nível local. Em muitos casos, os extensionistas, agricultores e mesmo investigadores não estão cientes da sua existência ou dos seus conteúdos. Estaria fora do objectivo desta ficha informativa a análise destes instrumentos legais de uma forma detalhada. Contudo, pensamos que os gestores e utilizadores da agrobiodiversidade precisam, pelo menos, de estar cientes da sua existência e propósito principal. Esta ficha informativa irá dar uma visão geral de até que ponto os assuntos do género foram tomados em conta em políticas internacionais e acordos relacionados com a agrobiodiversidade. Não iremos apresentar detalhes regionais em termos da ratificação destes instrumentos legais ou existência de diferentes políticas nacionais1
Em termos do género, estes instrumentos legais não fazem nenhuma tentativa de discutir as implicações do género resultantes das políticas e acordos legais. Apenas a Convenção sobre a Diversidade Biológica e o Plano Global de Acção, reconhecem o papel chave que as mulheres desempenham, especialmente nos países em desenvolvimento, na gestão e uso dos recursos biológicos. Para os extensionistas, investigadores e agricultores é um desafio compreender o impacto e o significado destes instrumentos legais no seu trabalho diário.
Desde a década de 30 tem existido uma preocupação oficial pública crescente sobre a perda da biodiversidade agrícola. O primeiro acordo internacional sobre a biodiversidade, o Empreendimento Internacional sobre os Recursos Genéticos de Plantas (IU), foi adoptado pela FAO no início dos anos oitenta para a protecção dos recursos genéticos de plantas. O IU cobre todos os recursos genéticos de plantas e destina-se à exploração, preservação, avaliação e à disponibilidade dos recursos genéticos de plantas disponíveis. Um total de 113 países aderiu à IU. As provisões do IU sempre foram voluntárias - era um acordo não vinculativo. O IU foi renegociado pela Comissão Intergovernamental sobre Recursos Genéticos para a Alimentação e Agricultura, resultando no Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas para Alimentação e Agricultura (ITPGRFA).
O Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas para Alimentação e Agricultura foi finalmente acordado pelos 184 governos que estavam presentes na Conferência da FAO, em Novembro de 2001. Os seus objectivos são a conservação e uso sustentável dos recursos genéticos de plantas para a alimentação e a agricultura. Também cobre a partilha justa e equitativa derivada do seu uso, para uma agricultura sustentável e segurança alimentar. O Tratado está em harmonia com a Convenção sobre a Diversidade Biológica (ver a seguir). Entrou oficialmente em vigor no dia 29 de Junho de 2004. O tratado cobre todos os PGRFA e contem provisões para a conservação e uso sustentável da diversidade de plantas, cooperação internacional e assistência técnica. O Tratado reconhece a enorme contribuição que os agricultores e suas comunidades têm feito, e continuam a fazer, para a conservação e desenvolvimento dos recursos genéticos de plantas. Esta é a base para os Direitos dos Agricultores. O Tratado estabelece também um sistema multilateral de acesso e partilha de benefícios que se aplica a mais de 64 culturas e forragens principais, seleccionadas de acordo com o critério da segurança alimentar e interdependência entre os países e regiões. Os benefícios que provêm do sistema multilateral serão parte da estratégia de financiamento do Tratado Internacional. Será dada prioridade à implementação dos planos e programas acordados para os agricultores nos países em desenvolvimento que pratiquem a gestão sustentável da diversidade genética das plantas. O Tratado é legalmente vinculativo para todos os países que o ratificaram, requerendo a conformidade de todas as leis e regulamentos nacionais.
O Plano Global de Acção (GPA) para a conservação e utilização sustentável dos recursos genéticos de plantas foi adoptado por 150 países na Quarta Conferência Técnica Internacional sobre os Recursos Genéticos de Plantas, que foi realizada em Leipzig em 1996. O GPA é uma componente que suporta o Tratado Internacional, assim, as partes contratantes da ITPGRFA devem promover a sua implementação eficaz, através das acções nacionais e cooperação internacional. O GPA fornece uma estrutura coerente que identifica 20 actividades prioritárias in situ ex situ as áreas de conservação, utilização sustentável, assim como na construção das instituições e da capacidade (FAO, 1996). O GPA contém muitas referências aos papéis das mulheres na conservação da diversidade de plantas. Mais ainda, desenvolve actividades e medidas para fortalecer a capacidade das mulheres para gerir estes recursos de forma sustentável. Em particular, estão contidas referências nas actividades prioritárias seguintes2: conservação em quintas (parágrafo 31, 33 e 43 do GPA), promoção da conservação de parentes das culturas silvestres (parágrafo 67 e 70); caracterização e avaliação (parágrafo 158); promoção do desenvolvimento e comercialização de culturas e espécies sub utilizadas (parágrafos 189,193, 203 e 204), expansão e melhoramento da educação e da formação (parágrafo 307).
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), adoptada em 1992, cobre todas as componentes da agrobiodiversidade, dos genes às espécies e aos ecossistemas, e reconhece a importância dos recursos genéticos e sua conservação. No seu preâmbulo, a Convenção reconheceu, em particular, o papel vital que as mulheres desempenham na conservação e uso sustentável da diversidade biológica. Mais ainda, a Convenção da Diversidade Biológica (CBD) realçou a necessidade da participação total das mulheres a todos os níveis na elaboração de políticas e implementação para a conservação da diversidade biológica. Na terceira Conferência das Partes em 1997, os estados membros reconheceram a necessidade de fortalecer as comunidades indígenas e locais, bem como de capacitá-las para a conservação nos locais próprios (in situ) uso e gestão sustentável da diversidade biológica agrícola, fortalecendo os sistemas de conhecimento indígena. A Convenção é legalmente vinculativa para os países que a ratificaram (183, até Março de 2002). Como já foi antes referido, os países que a ratificaram devem adoptar a legislação/regulamentos apropriados e/ou transformarem os existentes de forma a estarem em harmonia com a Convenção. A Convenção não se aplica aos países que não a ratificaram. Através da sua decisão V/5, os países presentes na Conferência das partes da CBD estabeleceram um programa de trabalho sobre a biodiversidade agrícola. A decisão descreve os componentes da agrobiodiversidade e reconhece que a natureza especial e as características da biodiversidade agrícola merecem soluções distintas em termos de políticas e programação. Como descrita na CBD, a agrobiodiversidade é essencial para a satisfação das necessidades humanas para a alimentação e segurança da subsistência. Para além disso, existe uma grande interdependência entre países no que concerne aos recursos genéticos para a alimentação e agricultura.
A Estratégia Global para a Gestão dos Recursos Genéticos de Animais de Quinta oferece uma estrutura técnica e operacional para apoiar os países. Contem vários elementos chave, como o Inventário Global dos Recursos Genéticos de Animais de Quinta através do Estado do Relatório Mundial, que vai facilitar a análise do nível de ameaça dos recursos mundiais e estabelecer as prioridades de conservação. A Estratégia tem como objectivo assistir os países nos seus esforços de caracterizar e monitorar os seus recursos, assim como desenvolver os seus programas e planos de acção para a sua conservação e utilização sustentável. Como os Estados possuem direitos soberanos sob os seus próprios recursos biológicos, eles são igualmente responsáveis pela sua conservação e utilização duma forma sustentável. Os Estados participantes na Estratégia Global da FAO para a Gestão dos Recursos Genéticos de Animais de Quinta foram convidados a nomearem um ponto focal nacional para os recursos genéticos animais e um coordenador nacional que são responsáveis pelas actividades dos países na gestão dos recursos genéticos de animais. Também são responsáveis pelas contribuições dos países para os esforços globais, especialmente na troca de informações e dados.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Descriminação contra as Mulheres (CEDAW) é outro instrumento legal que se debruça directamente sobre a discriminação das mulheres e insta os países membros a porem os objectivos da convenção em prática. Esta Convenção pode oferecer uma estrutura útil para a implementação dos acordos legais acima referidos. A CEDAW, adoptada em 1979 pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, é muitas vezes descrita como uma declaração internacional de direitos das mulheres. Consistindo dum preâmbulo e 30 artigos, define o que constitui discriminação das mulheres e estabelece uma agenda para a acção nacional para acabar com tal discriminação. Ao aceitar a Convenção, os Estados obrigam-se a executarem uma série de medidas para pôr fim à discriminação das mulheres de todas as formas, incluindo:
Os países que ratificaram ou acederam à Convenção são legalmente obrigados a porem as suas provisões em prática. Estão também comprometidos a submeterem relatórios nacionais, pelo menos a cada quatro anos, sobre as medidas que tomaram para cumprirem com as suas obrigações para com o tratado. Tendo entrado em vigor a 3 de Setembro de 1981, tinha, em Março de 2004,176 Estados como partes da Convenção.
Apesar deste reconhecimento crescente das diferenças e implicações do género a nível internacional, tem-se feito muito pouco para implementar este conhecimento em políticas e programas nacionais para a gestão e conservação da biodiversidade agrícola.
Como referido no Relatório sobre o Estado Mundial dos Recursos Genéticos de Plantas para a Alimentação e Agricultura, a principal causa da erosão genética nas culturas reportadas por quase todos os países, é a substituição das variedades locais pelas variedades ou espécies exóticas ou melhoradas. A medida que as variedades antigas nos campos dos agricultores são substituídas pelas novas, a erosão genética ocorre frequentemente. Os genes e complexos de genes encontrados nas diversas variedades dos agricultores não estão contidos nas variedades modernas. Mais ainda, o número completo de variedades é muitas vezes reduzido quando as variedades comerciais são introduzidas nos sistemas tradicionais de agricultura. Isto é igualmente verdade para a substituição dos recursos genéticos de animais. O relatório reconhece mais os impactos negativos que estes processos têm sobre os pequenos agricultores, especialmente, sobre as mulheres que dependem da diversidade genética para a sua subsistência.
Por outro lado, existem ainda muitos exemplos de políticas nacionais e projectos de desenvolvimento que promovem a produção comercial. Estes focam-se em algumas poucas culturas principais de rendimento, que são uma ameaça a biodiversidade agrícola existente e à segurança alimentar. Quanto mais produção for gerida para fins comerciais, mais variedades e raças de maior rendimento são usadas. Por outro lado, a redução de riscos tradicional, através do uso de uma maior diversidade de variedades e raças, torna-se cada vez de menor importância. Muitas variedades e raças locais são ainda categorizadas como de menor performance e inferiores pelos serviços extensionistas nacionais e organizações de pesquisa. Portanto, as políticas nacionais oferecem incentivos para o uso de variedades e raças modernas. Esta prática pode levar à perda irreversível da diversidade genética ou pode ter impacto nos papéis e responsabilidades estabelecidos ou tradicionais do género. O exemplo seguinte oriundo do Mali realça o impacto no uso da biodiversidade agrícola e nos papéis do género (ver Caixa 2).
[Caixa 2] JARDINAGEM COMERCIAL NO MALI |
Numa aldeia de Bamana no Mali, a produção de subsistência das mulheres que é baseada na biodiversidade das plantas locais, veio a ter muita competição com a produção de culturas exóticas e comercial feita pelos homens. Durante este processo, a produção das mulheres foi marginalizada ou mesmo perdida. As mulheres eram tradicionalmente responsáveis pela produção ou colheita das variedades de plantas tradicionais, usadas na preparação dos molhos e condimentos que elas historicamente produziam nos jardins domésticos. Contudo, um regime de jardinagem comercial foi desenvolvido na comunidade. Este, visa satisfazer a crescente procura urbana de produtos frescos, ao invés dos requisitos domésticos locais. Tipicamente, a jardinagem comercial envolve culturas de frutas e vegetais não tradicionais. Os homens de meia-idade dominam a liderança de jardins. |
Fonte: Wooten, 2003 |
Devido às tecnologias modernas e a mudanças nas percepções, as mulheres perderam a sua influência sobre a produção que controlavam tradicionalmente. O acesso aos recursos perdeu-se em favor dos homens, que beneficiam dos serviços de vulgarização e podem comprar sementes, fertilizantes e as tecnologias necessárias. Desta forma, as mulheres perdem também o seu estatuto e determinação própria e não são compensadas de forma alguma.
O estudo de caso acima referido, mostra que a agrobiodiversidade está ameaçada porque não é usada e não por uso excessivo, como é o caso de muitas espécies de plantas silvestres e fauna selvagem. As investigações e desenvolvimentos modernos e a reprodução centralizada de plantas ignoraram e minaram principalmente as capacidades das comunidades agrícolas locais na inovação e melhoramento de variedades de plantas locais, que, muitas vezes, levou à sua substituição.
Os programas convencionais de reprodução tendem a se focar fortemente na “adaptabilidade geral”. Esta refere-se à capacidade da planta de produzir uma alta colheita média numa série de ambientes e anos de produção. Infelizmente, o material genético que produz boas colheitas numa zona de produção mas más colheitas noutras, tende a ser rapidamente eliminado do património genético do reprodutor. Porém, isto pode ser exactamente o que os pequenos agricultores, em algumas áreas, necessitam. As variedades “melhoradas” resultantes, requerem muitas vezes doses grandes de fertilizantes e outros químicos, que a maioria dos agricultores pobres não podem adquirir. Para além disso, os criadores profissionais, trabalham geralmente em relativo isolamento dos agricultores. Eles têm por vezes desconhecimento da amplitude de preferências - para além do rendimento e da resistência a doenças e pestes - dos seus agricultores alvos.
A facilidade de colheita e armazenamento, gosto e qualidades de culinária, a rapidez do amadurecimento da cultura e a adequação dos resíduos da cultura como alimento para gado, são apenas algumas das dezenas de características das plantas de interesse para os agricultores de pequena escala. Apesar desta riqueza de conhecimentos, os programas de reprodução convencionais têm limitado a participação dos agricultores na avaliação e dos seus comentários sobre algumas variedades experimentais antes da sua divulgação oficial. Este tipo de participação, leva a que poucos agricultores tenham um sentimento de posse da pesquisa ou de que tenham contribuído com a sua perícia técnica. Muitas das variedades que são sujeitas às experiências nos campos, poderiam ter sido eliminadas mais cedo e poupados anos de testagem se os agricultores tivessem tido a oportunidade de os avaliar criticamente. Os agricultores - e em muitos casos, os agricultores femininos - têm sido os engenheiros chefes do desenvolvimento das culturas e variedades durante milhares de anos. Actualmente continuam a seleccionar e reproduzir activamente a maioria das culturas, incluindo as chamadas menores ou sub utilizadas, que são tão importantes para a nutrição familiar.
Contudo, existem muitos exemplos encorajadores onde os agricultores estão envolvidos no melhoramento e reprodução de culturas. A reprodução participativa de plantas é uma abordagem alternativa para os países em desenvolvimento, ao ter sido reconhecido que os programas convencionais de reprodução trouxeram poucos benefícios aos ambientes marginais agro-ecológicos e sócio-económicos. Tal abordagem tem um potencial de contribuir para a conservação e gestão sustentável dos recursos genéticos das plantas.
Os objectivos principais da reprodução participativa de plantas são a criação de mais tecnologias relevantes e o acesso equitativo. No entanto, dependendo das organizações envolvidas, existem muitas vezes outros objectivos. Por exemplo, os programas de reprodução em larga escala desenvolvidos por agências de pesquisa nacionais e internacionais podem desejar diminuir os custos de pesquisa. Outras organizações, tais como grupos dos agricultores e ONGs, podem desejar afirmar os direitos das populações sobre os recursos genéticos. Estes podem produzir sementes, desenvolver as competências técnicas dos agricultores, ou desenvolver novos produtos para nichos de mercado, tais como produtos produzidos organicamente.
Existem uma série de instrumentos legais que regulam a gestão e o uso da biodiversidade agrícola. Em termos dos aspectos do género, estes instrumentos legais não fazem nenhuma tentativa de discutir as implicações do género e das políticas e acordos legais daí resultantes.
Os recursos genéticos de plantas eram inicialmente vistos como uma herança comum da humanidade. A Convenção sobre a Diversidade Biológica deu às nações um direito soberano sobre os seus recursos genéticos e requer um consentimento prévio para o seu uso (UNEP, 1992).
A opinião dos PGRs, como propriedade comum, está a mudar rapidamente para uma visão dos mesmos como objectos de troca.
Apesar do reconhecimento crescente das diferenças e implicações do género a nível internacional, pouco tem sido feito para implementar este conhecimento em políticas e programas para a gestão e conservação da agrobiodiversidade.
A biodiversidade agrícola é ameaçada porque não é usada e não porque é usada em excesso, como acontece com muitas espécies de plantas silvestres ou animais selvagens.
Existem muitos exemplos de políticas nacionais e projectos de desenvolvimento que promovem a produção comercial. Estes focam-se em poucas culturas principais de rendimento, ameaçando portanto, a biodiversidade agrícola e a segurança alimentar existentes. Têm sido observadas mudanças nos papéis e responsabilidades do género.
OBJECTIVO: A ficha informativa 3.3 tem como objectivo introduzir políticas e acordos legais internacionais importantes que são relevantes para a gestão e conservação da biodiversidade agrícola. Mais ainda, apresenta o impacto das políticas e instituições sobre a gestão e conservação da agrobiodiversidade, assim como sobre os papéis e responsabilidades do género.
OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes ficarem cientes da estrutura internacional legal existente e reflictam sobre a influência das políticas e instituições sobre as responsabilidades do género na gestão da biodiversidade agrícola.
PROCESSO:
A sessão começa com uma introdução dos diferentes acordos e políticas legais feita pelo moderador. A fim de envolver os participantes a partir do princípio, eles podem ser convidados a nomearem as estruturas legais que conhecem. Durante esta sessão, o facilitador deve enfatizar que estas estruturas legais são principalmente discutidas ao nível das políticas. No entanto, estas precisam ser comunicadas também a todos os outros níveis, de forma que as populações possam ser informadas dos seus direitos e responsabilidades. Uma tarefa importante do facilitador é de identificar o estatuto de ratificação dos diferentes países presentes no workshop.
Se o tempo disponível o permitir, o facilitador pode distribuir os artigos relevantes dos diferentes acordos legais e deixar os participantes lê-los em pequenos grupos. Depois, os pontos-chave podem ser apresentados pelos participantes. (1 hora)
O que se torna mais directamente relevante e visível ao nível da comunidade são os processos, que podem ser induzidos pelas organizações externas ou pelas próprias populações. Os participantes são convidados a partilharem experiências do seu conhecimento prévio derivado do trabalho sobre processos e iniciativas que tentam fortalecer as populações locais a gerirem e beneficiarem da sua agrobiodiversidade. (1 hora incluindo a discussão)
O facilitador deve, de novo, encorajar os participantes a reflectirem sobre as diferenças do género em termos do impacto potencial dos processos e iniciativas identificadas.
RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes estejam cientes da existência de regulamentos internacionais chave e tenham identificado questões importantes por eles cobertos. Mais ainda, terem reflectido sobre as implicações do género nos processos e iniciativas potenciais.
TEMPO NECESSÁRIO: mínimo 3 horas
Nota: Para informação adicional sobre as leis e políticas, consultar Bragdon, S., Fowler, C. e Franca, Z. (eds) (2003) “Leis e Política de relevância à Gestão dos Recursos Genéticos de Plantas”. Módulo de aprendizagem. ISNAR, The Hague, Países Baixos
2 Ver www.fao.org/ag/agp/agps/pgr/default.htm
Grain (2003). Boas ideias tornadas más? Um glossário de terminologia relacionada com os direitos. http://www.grain.org/seedling/seed-04-01-2-en.cfm
Notas IK, №. 44 (Maio de 2002). A contribuição de vegetais indígenas para a segurança alimentar familiar.
Wooten (2003). Relações de género, horticultura comercial e ameaças à diversidade local de plantas no Mali rural. Em Howard, P.L. (Ed). (2003). Mulheres e plantas, relações de género na gestão e conservação da biodiversidade. Reino Unido, Livros ZED
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Bragdon, S., Fowler, C. & Franca, Z. (eds). 2003. Laws and policy of relevance to the management of plant genetic resources. Learning Module. The Hague, The Netherlands, ISNAR.
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Global Plan of Action, Leipzig, 1996: www.fao.org/WAICENT/FaoInfo/Agricult/AGP/AGPS/GpaEN/leipzig.htm
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