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Módulo 3
ABORDAGENS ÀAGROBIODIVERSIDADE, GÉNERO E CONHECIMENTO LOCAL

A DINÂMICA DO GÉNERO E A AGROBIODIVERSIDADE

COMPREENDER O CONTEXTO ESPECÍFICO
DA VULNERABILIDADE DO GÉNERO

No Módulo 1 aprendemos que os homens e as mulheres desempenham um papel importante, mas muitas vezes distinto no que respeita à gestão e conservação da biodiversidade agrícola. Frequentemente existe uma diferenciação clara do género em termos da divisão de trabalho, funções e responsabilidades na agricultura. Isto torna os homens e as mulheres responsáveis pela gestão de diferentes aspectos da agrobiodiversidade, tendo propósitos e exigências diferentes. Isto, por sua vez, tem um impacto sobre o seu conhecimento da gestão e utilização dos elementos específicos da biodiversidade agrícola.

O Módulo 2 enfatiza a importância de analisar a biodiversidade agrícola dentro de um sistema mais amplo de subsistência. A realidade, em termos das relações de género e suas ligações com a agrobiodiversidade, é muito mais complexa. Além disso, um número de tendências e choques que exercem impacto sobre a gestão e conservação da biodiversidade agrícola e conhecimento local também devem ser analisados. (Consultar o Módulo 2, Figura 1 “sistema de subsistência sustentável”).

Os choques dentro do contexto da vulnerabilidade têm um impacto nas relações de género e nas interacções com outros bens da subsistência. OVIH-SIDAé um exemplo importante disto, porque foram afectadas milhões de famílias em África.

Para os agregados familiares dependentes da agricultura, a consequente reestruturação do trabalho intra-familiar pode levar a um declínio na produção de culturas, que pode resultar em insegurança alimentar e num decréscimo geral nos bens financeiros. As famílias podem, então, responder com uma série de outras estratégias. Por exemplo, no Uganda, uma resposta inicial típica dada pelas famílias de agricultores é a mudança do conjunto dos produtos agrícolas Isto seria para se focarem primeiro em produzir o suficiente para a subsistência e depois para cultivar excedentes para vender no mercado (Armstrong, 1993). Outra resposta comum é a redução da porção de terra de cultivo, resultando em colheitas reduzidas (FAO 2003). Um estudo de caso recente no Uganda, mostrou que isto era particularmente evidente nas famílias afectadas que eram lideradas por mulheres, as quais cultivaram em média apenas 1.3 acres, comparando com as famílias afectadas que eram lideradas por homens que cultivaram em média 2.5 acres (FAO 2003).

Foi observado que algumas famílias afectadas pelo VIH/SIDA se viraram para a produção de gado, como uma alternativa à produção agrícola, quando os solos se tornaram inférteis e as práticas da gestão de culturas se tornazam muito exigentes para o trabalho disponível. Outras famílias vendem gado mais frequentemente para pagarem as despesas médicas e fúnebres. Outra tendência que também foi identificada é aquela em que as famílias criam animais de espécies pequenas, tais como porcos e aves domésticas, uma actividade de trabalho menos intensiva e mais acessível para as mulheres. Foi identificada uma alteração na qual os agricultores mudam de culturas que exigem uma mão-de-obra intensiva, para outras que necessitam de menos trabalho, que são resistentes às secas e cultiváveis ao longo de todo ano, tais como a mandioca e a batata-doce. Verificou-se também, uma redução no cultivo das culturas de rendimento. Os agricultores escolheram focalizar o trabalho disponível na produção de culturas secundárias de subsistência, muitas vezes para optimizar a segurança alimentar da família (White and Robinson 2000).

A resposta de uma família afectada pelo VIH-SIDA é a de voltar aos sistemas agrícolas baseados nas culturas e gado locais. Isto mostra como os choques podem exercer um impacto sobre as relações de género e gestão de bens de subsistência.

Pontos-chave

PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL - NOTAS PARA O FACILITADOR

OBJECTIVO: A ficha informativa 3.1 tenta aumentar a consciência dos participantes da importância de considerar e compreender o contexto no qual a gestão e conservação da agrobiodiversidade agrícola tomam parte. A compreensão da natureza dinâmica deste contexto é crucial para o planeamento de uma intervenção bem sucedida e sensível ao género.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes compreenderem o impacto das tendências e choques sobre a biodiversidade agrícola e reconhecerão a relevância das relações de género dentro deste contexto.

PROCESSO:

  1. Os participantes devem ser encorajados a explorarem as questões levantadas na ficha informativa 3.1 baseando-se na sua própria experiência de trabalho. O formador pode facilitar este processo criando três grupos, que poderão explorar os choques possíveis, as tendências e a sazonalidade, situações que podem afectar a gestão da biodiversidade agrícola na perspectiva do género. Os grupos podem sentar-se juntos e discutirem as suas ideias que serão posteriormente apresentadas em plenária depois de um curto período de tempo. Este exercício pode levar 1 hora no total.

  2. O facilitador pode depois completar as conclusões com outros assuntos chave realçados na página factual. Nesta fase, será importante relacionar a discussão com a estrutura do meio de subsistência sustentável introduzida no Módulo 2. Se possível, um gráfico visual com os diagramas do meio de subsistência pode estar disponível ao longo do curso.

  3. O facilitador, para explorar os efeitos positivos e negativos das mudanças de género sobre a biodiversidade agrícola, pode facilitar a discussão do pódio. Esta discussão não pode durar mais de uma hora, incluindo o tempo de preparação.

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes ganharem experiência do uso da estrutura do meio de subsistência para explorarem o impacto do contexto sobre a gestão da agrobiodiversidade e relações de género.

TEMPO NECESSÁRIO: mínimo de 3 horas

VALORES E BENEFÍCIOS DA AGROBIODIVERSIDADE NA PERSPECTIVA DO GÉNERO

A fim de compreender os valores e benefícios da biodiversidade agrícola na perspectiva do género, devemos olhar primeiro para os diferentes valores e benefícios da agrobiodiversidade no geral. Existem duas categorias principais de valores que precisamos distinguir. Elas são os valores do uso e os valores de não uso1. A primeira categoria pode ser dividida em três subcategorias principais:

Os valores de não uso incluem o valor da existência, ara as comunidades biológicas, ou áreas de beleza paisagística. Estes geralmente referem-se, em termos simples, ao valor que as pessoas estão dispostas a pagar para prevenir que uma espécie se extinga ou que uma área seja desenvolvida (Funtowicz and Ravetz, 1994). O valor da existência é relevante para um grupo muito mais alargado de intervenientes, visto que não está ligado a nenhum uso directo. Por exemplo, as pessoas podem pagar para ver vida animal ou vegetal noutro país ou região que não podem ver no seu próprio local de residência.

O leque de valores e benefícios obtidos da gestão da biodiversidade agrícola está intimamente relacionado com as estratégias subjacentes de subsistência e seus resultados que as diferentes populações procuram (Consultar o Módulo 2, sobre as estratégias e resultados da subsistência).

Os valores que tem uma maior importância imediata na gestão da agrobiodiversidade são os valores de uso directo. Sabemos que a biodiversidade agrícola apenas pode ser mantida se as populações que a gerem obtêm benefícios ou usos directos de o fazer. Vamos, portanto, focar-nos mais nestes tipos de valores. A aplicação de uma perspectiva de género mais diferenciada aos valores de uso directo, vai ajudar-nos a compreender melhor os benefícios obtidos da gestão da agrobiodiversidade.

Tomando como exemplo a gestão do gado, sabemos que homens e mulheres em todo o mundo participam na produção de gado. Contudo, homens e mulheres geralmente:

Tanto os homens como as mulheres beneficiam dos valores do uso directo obtidos da criação de gado. Não obstante, os homens concentram-se mais nos valores de rendimento obtidos através da comercialização dos produtos de gado ou outros animais, enquanto para as mulheres, em muitos casos, os valores de não rendimento são de maior importância (Anderson, 2003).

Aspectos similares aplicam-se a gestão dos recursos genéticos de plantas por mulheres. Aqui elas são muitas vezes responsáveis pela gestão e conservação de culturas de alimentos menores, utilizados para o consumo caseiro, rituais e pelas suas propriedades medicinais. Geralmente, estas espécies são cultivadas em jardins caseiros ou são intercaladas em pequenas áreas dos campos principais. Os homens são frequentemente responsáveis pelo cultivo das culturas principais e comerciais, que são cultivadas nos campos fora da fazenda. O exemplo seguinte de uma aldeia Bamana no Mali, mostra os papéis e responsabilidades do género na produção de culturas (ver Caixa 1).

[Caixa 1] PAPÉIS DO GÉNERO NA PRODUÇÃO DE CULTURAS NUMA ALDEIA BAMANA (MALI)
Os homens na vila de Bamana no Mali trabalham colectivamente no campo principal das terras altas pertencentes ao seu grupo (foroba), que está situado numa área de mato, a poucos quilómetros da povoação. Aqui, produzem uma série de culturas principais incluindo o sorgo (nyo - Sorghum bicolor), o milhete (sanyo -Pennisetum glaucum), o milho (kaba - Zea mays), a ervilha de vaca (sho - Vigna unguiculata), o amendoim (tiga - Arachis hypogaea), e o amendoim de Bambara (tiganinkuru - Voandzeia subterranea)
As mulheres, por outro lado, são responsáveis pelo cultivo e colheita de plantas necessárias para a preparação dos molhos que acompanham os cereais das culturas dos homens nas refeições diárias. Na época de chuvas, as mulheres casadas trabalham individualmente nos campos das terras altas que lhes são designados pelos dutigiw para produzir nafenw, ou “coisas de molho”. Em muitos casos, as mulheres intercalam amendoim (tiga -Arachis hypogaea), ervilha de vaca, kenaf (dajan - Hibiscus cannabinus), roselle (dakumum ou dabilenni - Hibiscus sabdariffa), quiabo (gwan - Abelmoschus (Hibiscus esculentus) e sorgo. Elas focam os seus padrões de cultivo em folhas e itens vegetais tradicionais que complementam as culturas básicas produzidas nosforobaw.A vasta maioria das culturas das mulheres é destinada ao consumo directo, embora, de tempos em tempos, alguns itens sejam vendidos para gerar rendimento que é tipicamente utilizado na compra de ingredientes comerciais para o molho, tais como os cubos de sopa, óleo vegetal ou sal. Para além do cultivo de culturas de condimentos nos campos das terras altas durante a época chuvosa, as mulheres, ao longo do ano recolhem várias plantas silvestres ou semi-silvestres dos seus campos ou áreas de arbustos para o uso nos seus molhos. Por exemplo, elas apanham e processam as folhas da árvore do baobá (Adansonia digitata) como um ingrediente chave para o molho e utilizam a fruta da árvore de nozes shea (Butryospermum parkii) para fazer óleo de cozinha e loção para o tratamento da pele. As mulheres conservam estas árvores produtivas nos seus campos e fazem uso destas espécies nas matas em redor da comunidade. Desta forma uma vasta variedade de verduras silvestres ou semi-silvestres é regularmente utilizada na confeição dos seus molhos.
Fonte: Wooten, 2003.

Contudo estas responsabilidades podem mudar e mudam. Por exemplo, com a emigração dos homens, as mulheres podem passar a desempenhar o papel dos homens e a descentralização pode mudar a ênfase da produção do leite para a produção de carne. Mais ainda, a mecanização e outras inovações técnicas podem envolver os homens no que eram anteriormente sistemas de produção das mulheres.

Os quatro aspectos chave que se seguem são importantes porque ajudam na avaliação e compreensão dos diferentes valores e benefícios obtidos da agrobiodiversidade na perspectiva do género:

Estas diferenças, baseadas no género, reflectem as diferentes estratégias e resultados da subsistência adoptados e perseguidos por homens e mulheres, e exemplificam os diferentes valores obtidos por este meio. O papel chave das mulheres rurais como fornecedores e produtores de alimentos, liga-as directamente à gestão dos recursos genéticos para assegurar a produção de alimentos para a família. Ao mesmo tempo, o papel dos homens como ganhadores de rendimentos liga-os, mais vezes, a culturas de rendimento e a espécies e variedades melhoradas.

Para os valores de uso indirecto é importante considerar o estatuto social obtido pela gestão ou posse dum determinado recurso. O estatuto na comunidade ou sociedade pode ser definido como um valor de uso indirecto. O estatuto dos homens e mulheres é muitas vezes definido pelo seu acesso e controlo sobre os recursos das plantas e animais. A criação de galinhas no quintal, por exemplo, é, em muitos locais, um critério para o estatuto social da família. Um estudo de caso no Botsuana revelou que acima de 80% dos criadores de galinhas nos quintais são mulheres e que a ausência das galinhas é vista como um claro sinal de pobreza (Moreki, 2001). Este exemplo mostra que a criação de galinhas não resulta apenas em valores de uso directo (ovos, carne), mas também em valores de uso indirecto, tais como o estatuto social. No Botsuana, assim como em muitas regiões Africanas, as galinhas são geralmente consideradas como gado criado pelas mulheres, principalmente porque são consideradas como de menor valor comercial que outros tipos de gado (vacas e cabras) (Moreki 2001). O estatuto dos homens numa tal sociedade pode ser definido pelo número de cabeças de gado que detém ou por outro critério similar.

Na introdução dissemos que os valores de opção são derivados do valor dado à salvaguarda de um bem. Isto permite a opção de vir a usar o bem no futuro. É um tipo de valor seguro contra a ocorrência de, por exemplo, novas doenças ou mudanças climáticas. É difícil avaliar se a população está ciente deste tipo de valor e até que ponto este pode influenciar a suas práticas de gestão. Mas, de qualquer forma, existem exemplos de agricultores que cultivam ou não eliminam as espécies de plantas silvestres dentro dos seus campos. Eles sabem que estas podem ser importantes para a sua segurança alimentar em caso de falha das culturas principais. Neste sentido eles reconhecem o valor de opção destas espécies selvagens.

Pontos-chave

NOTAS PARA O FACILITADOR - PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL

OBJECTIVO: A ficha informativa 3.2 tem como objectivo introduzir os diferentes valores e benefícios obtidos da biodiversidade agrícola e realçar as diferenças de uma perspectiva diferenciada em relação ao género. O seu objectivo é de ampliar a compreensão dos participantes quanto aos diferentes valores potenciais. Também liga estes valores as estratégias globais e resultados da subsistência adoptados por diferentes actores.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes compreendam a diferença entre os valores de uso directo e indirecto e os valores de não uso e serem capazes de identificar os valores potenciais para diferentes estratégias e resultados da subsistência.

PROCESSO:

  1. Breve introdução ao tópico pelo facilitador, com base na ficha informativa 3.2. (máximo 30 minutos)

  2. Os participantes podem, então, assistir ao vídeo da FAO sobre a diversidade do gado em África (Livestock diversity in Africa), com o foco principal nos benefícios obtidos da diversidade de gado. (20 minutos)

  3. Depois, os participantes podem dividir-se em grupos para tentarem identificar as diferentes categorias de benefícios e valores. A partir da sua própria experiência de trabalho, podem também adicionar mais exemplos sobre a diversidade das plantas. (1 hora)

  4. As conclusões dos trabalhos em grupo serão apresentadas em plenário. O processo levará à identificação e sistematização de diferentes categorias de benefícios e valores. Este processo de sistematização pode, depois, ser complementado pelas categorias sugeridas na ficha informativa 3.2. (1 hora)

  5. A seguir, se o tempo disponível o permitir, os participantes poderão discutir em plenário a importância de diferentes categorias de valores para diferentes estratégias de subsistência. Este debate poderá levar a uma reflexão das diferenças do género em termos de valores e benefícios obtidos. (45 minutos)

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes reconheçam a diversidade dos valores e benefícios obtidos da agrobiodiversidade para diferentes populações e diferentes estratégias de subsistência. Isto irá ajudá-los a aplicarem mais o modelo de subsistência e aumentará a sua consciência sobre a complexidade da gestão da biodiversidade agrícola.

TEMPO NECESSÁRIO: 3–4 horas.

1 Para exemplos destes diferentes valores consultar Anderson, S., 2003. Sustaining livelihoods through animal genetic resources conservation. Em Conservation and sustainable use of agricultural biodiversity. Manila, CIP-UPWARD em parceria com GTZ, IDRC, IPGRI e SEARICE.

RECONHECER OS ASPECTOS DO GÉNERO NAS INICIATIVAS DAAGROBIODIVERSIDADE

RELAÇÕES E POLÍTICAS DO GÉNERO, INSTITUIÇÕES E PROCESSOS

Existem uma série de instrumentos legais que regulam a gestão e uso da biodiversidade agrícola. Embora estejam estabelecidos ao nível global, parece difícil localizá-los ao nível local. Em muitos casos, os extensionistas, agricultores e mesmo investigadores não estão cientes da sua existência ou dos seus conteúdos. Estaria fora do objectivo desta ficha informativa a análise destes instrumentos legais de uma forma detalhada. Contudo, pensamos que os gestores e utilizadores da agrobiodiversidade precisam, pelo menos, de estar cientes da sua existência e propósito principal. Esta ficha informativa irá dar uma visão geral de até que ponto os assuntos do género foram tomados em conta em políticas internacionais e acordos relacionados com a agrobiodiversidade. Não iremos apresentar detalhes regionais em termos da ratificação destes instrumentos legais ou existência de diferentes políticas nacionais1

Em termos do género, estes instrumentos legais não fazem nenhuma tentativa de discutir as implicações do género resultantes das políticas e acordos legais. Apenas a Convenção sobre a Diversidade Biológica e o Plano Global de Acção, reconhecem o papel chave que as mulheres desempenham, especialmente nos países em desenvolvimento, na gestão e uso dos recursos biológicos. Para os extensionistas, investigadores e agricultores é um desafio compreender o impacto e o significado destes instrumentos legais no seu trabalho diário.

Os países que ratificaram ou acederam à Convenção são legalmente obrigados a porem as suas provisões em prática. Estão também comprometidos a submeterem relatórios nacionais, pelo menos a cada quatro anos, sobre as medidas que tomaram para cumprirem com as suas obrigações para com o tratado. Tendo entrado em vigor a 3 de Setembro de 1981, tinha, em Março de 2004,176 Estados como partes da Convenção.

Apesar deste reconhecimento crescente das diferenças e implicações do género a nível internacional, tem-se feito muito pouco para implementar este conhecimento em políticas e programas nacionais para a gestão e conservação da biodiversidade agrícola.

Como referido no Relatório sobre o Estado Mundial dos Recursos Genéticos de Plantas para a Alimentação e Agricultura, a principal causa da erosão genética nas culturas reportadas por quase todos os países, é a substituição das variedades locais pelas variedades ou espécies exóticas ou melhoradas. A medida que as variedades antigas nos campos dos agricultores são substituídas pelas novas, a erosão genética ocorre frequentemente. Os genes e complexos de genes encontrados nas diversas variedades dos agricultores não estão contidos nas variedades modernas. Mais ainda, o número completo de variedades é muitas vezes reduzido quando as variedades comerciais são introduzidas nos sistemas tradicionais de agricultura. Isto é igualmente verdade para a substituição dos recursos genéticos de animais. O relatório reconhece mais os impactos negativos que estes processos têm sobre os pequenos agricultores, especialmente, sobre as mulheres que dependem da diversidade genética para a sua subsistência.

Por outro lado, existem ainda muitos exemplos de políticas nacionais e projectos de desenvolvimento que promovem a produção comercial. Estes focam-se em algumas poucas culturas principais de rendimento, que são uma ameaça a biodiversidade agrícola existente e à segurança alimentar. Quanto mais produção for gerida para fins comerciais, mais variedades e raças de maior rendimento são usadas. Por outro lado, a redução de riscos tradicional, através do uso de uma maior diversidade de variedades e raças, torna-se cada vez de menor importância. Muitas variedades e raças locais são ainda categorizadas como de menor performance e inferiores pelos serviços extensionistas nacionais e organizações de pesquisa. Portanto, as políticas nacionais oferecem incentivos para o uso de variedades e raças modernas. Esta prática pode levar à perda irreversível da diversidade genética ou pode ter impacto nos papéis e responsabilidades estabelecidos ou tradicionais do género. O exemplo seguinte oriundo do Mali realça o impacto no uso da biodiversidade agrícola e nos papéis do género (ver Caixa 2).

[Caixa 2] JARDINAGEM COMERCIAL NO MALI
Numa aldeia de Bamana no Mali, a produção de subsistência das mulheres que é baseada na biodiversidade das plantas locais, veio a ter muita competição com a produção de culturas exóticas e comercial feita pelos homens. Durante este processo, a produção das mulheres foi marginalizada ou mesmo perdida. As mulheres eram tradicionalmente responsáveis pela produção ou colheita das variedades de plantas tradicionais, usadas na preparação dos molhos e condimentos que elas historicamente produziam nos jardins domésticos. Contudo, um regime de jardinagem comercial foi desenvolvido na comunidade. Este, visa satisfazer a crescente procura urbana de produtos frescos, ao invés dos requisitos domésticos locais. Tipicamente, a jardinagem comercial envolve culturas de frutas e vegetais não tradicionais. Os homens de meia-idade dominam a liderança de jardins.
Fonte: Wooten, 2003

Devido às tecnologias modernas e a mudanças nas percepções, as mulheres perderam a sua influência sobre a produção que controlavam tradicionalmente. O acesso aos recursos perdeu-se em favor dos homens, que beneficiam dos serviços de vulgarização e podem comprar sementes, fertilizantes e as tecnologias necessárias. Desta forma, as mulheres perdem também o seu estatuto e determinação própria e não são compensadas de forma alguma.

O estudo de caso acima referido, mostra que a agrobiodiversidade está ameaçada porque não é usada e não por uso excessivo, como é o caso de muitas espécies de plantas silvestres e fauna selvagem. As investigações e desenvolvimentos modernos e a reprodução centralizada de plantas ignoraram e minaram principalmente as capacidades das comunidades agrícolas locais na inovação e melhoramento de variedades de plantas locais, que, muitas vezes, levou à sua substituição.

Os programas convencionais de reprodução tendem a se focar fortemente na “adaptabilidade geral”. Esta refere-se à capacidade da planta de produzir uma alta colheita média numa série de ambientes e anos de produção. Infelizmente, o material genético que produz boas colheitas numa zona de produção mas más colheitas noutras, tende a ser rapidamente eliminado do património genético do reprodutor. Porém, isto pode ser exactamente o que os pequenos agricultores, em algumas áreas, necessitam. As variedades “melhoradas” resultantes, requerem muitas vezes doses grandes de fertilizantes e outros químicos, que a maioria dos agricultores pobres não podem adquirir. Para além disso, os criadores profissionais, trabalham geralmente em relativo isolamento dos agricultores. Eles têm por vezes desconhecimento da amplitude de preferências - para além do rendimento e da resistência a doenças e pestes - dos seus agricultores alvos.

A facilidade de colheita e armazenamento, gosto e qualidades de culinária, a rapidez do amadurecimento da cultura e a adequação dos resíduos da cultura como alimento para gado, são apenas algumas das dezenas de características das plantas de interesse para os agricultores de pequena escala. Apesar desta riqueza de conhecimentos, os programas de reprodução convencionais têm limitado a participação dos agricultores na avaliação e dos seus comentários sobre algumas variedades experimentais antes da sua divulgação oficial. Este tipo de participação, leva a que poucos agricultores tenham um sentimento de posse da pesquisa ou de que tenham contribuído com a sua perícia técnica. Muitas das variedades que são sujeitas às experiências nos campos, poderiam ter sido eliminadas mais cedo e poupados anos de testagem se os agricultores tivessem tido a oportunidade de os avaliar criticamente. Os agricultores - e em muitos casos, os agricultores femininos - têm sido os engenheiros chefes do desenvolvimento das culturas e variedades durante milhares de anos. Actualmente continuam a seleccionar e reproduzir activamente a maioria das culturas, incluindo as chamadas menores ou sub utilizadas, que são tão importantes para a nutrição familiar.

Contudo, existem muitos exemplos encorajadores onde os agricultores estão envolvidos no melhoramento e reprodução de culturas. A reprodução participativa de plantas é uma abordagem alternativa para os países em desenvolvimento, ao ter sido reconhecido que os programas convencionais de reprodução trouxeram poucos benefícios aos ambientes marginais agro-ecológicos e sócio-económicos. Tal abordagem tem um potencial de contribuir para a conservação e gestão sustentável dos recursos genéticos das plantas.

Os objectivos principais da reprodução participativa de plantas são a criação de mais tecnologias relevantes e o acesso equitativo. No entanto, dependendo das organizações envolvidas, existem muitas vezes outros objectivos. Por exemplo, os programas de reprodução em larga escala desenvolvidos por agências de pesquisa nacionais e internacionais podem desejar diminuir os custos de pesquisa. Outras organizações, tais como grupos dos agricultores e ONGs, podem desejar afirmar os direitos das populações sobre os recursos genéticos. Estes podem produzir sementes, desenvolver as competências técnicas dos agricultores, ou desenvolver novos produtos para nichos de mercado, tais como produtos produzidos organicamente.

Pontos-chave

PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL - NOTAS PARA O FACILITADOR

OBJECTIVO: A ficha informativa 3.3 tem como objectivo introduzir políticas e acordos legais internacionais importantes que são relevantes para a gestão e conservação da biodiversidade agrícola. Mais ainda, apresenta o impacto das políticas e instituições sobre a gestão e conservação da agrobiodiversidade, assim como sobre os papéis e responsabilidades do género.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes ficarem cientes da estrutura internacional legal existente e reflictam sobre a influência das políticas e instituições sobre as responsabilidades do género na gestão da biodiversidade agrícola.

PROCESSO:

A sessão começa com uma introdução dos diferentes acordos e políticas legais feita pelo moderador. A fim de envolver os participantes a partir do princípio, eles podem ser convidados a nomearem as estruturas legais que conhecem. Durante esta sessão, o facilitador deve enfatizar que estas estruturas legais são principalmente discutidas ao nível das políticas. No entanto, estas precisam ser comunicadas também a todos os outros níveis, de forma que as populações possam ser informadas dos seus direitos e responsabilidades. Uma tarefa importante do facilitador é de identificar o estatuto de ratificação dos diferentes países presentes no workshop.

  1. Se o tempo disponível o permitir, o facilitador pode distribuir os artigos relevantes dos diferentes acordos legais e deixar os participantes lê-los em pequenos grupos. Depois, os pontos-chave podem ser apresentados pelos participantes. (1 hora)

  2. O que se torna mais directamente relevante e visível ao nível da comunidade são os processos, que podem ser induzidos pelas organizações externas ou pelas próprias populações. Os participantes são convidados a partilharem experiências do seu conhecimento prévio derivado do trabalho sobre processos e iniciativas que tentam fortalecer as populações locais a gerirem e beneficiarem da sua agrobiodiversidade. (1 hora incluindo a discussão)

  3. O facilitador deve, de novo, encorajar os participantes a reflectirem sobre as diferenças do género em termos do impacto potencial dos processos e iniciativas identificadas.

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes estejam cientes da existência de regulamentos internacionais chave e tenham identificado questões importantes por eles cobertos. Mais ainda, terem reflectido sobre as implicações do género nos processos e iniciativas potenciais.

TEMPO NECESSÁRIO: mínimo 3 horas

Nota: Para informação adicional sobre as leis e políticas, consultar Bragdon, S., Fowler, C. e Franca, Z. (eds) (2003) “Leis e Política de relevância à Gestão dos Recursos Genéticos de Plantas”. Módulo de aprendizagem. ISNAR, The Hague, Países Baixos

1 Mais informação sobre estes aspectos pode ser obtida em Law and policy of relevance to the management of plant genetic resources orS. Bragdon, C. Fowler e Z. Franca (Eds), 2003. Módulo de Aprendizagem, ISNAR, Hague, Holanda

2 Ver www.fao.org/ag/agp/agps/pgr/default.htm

LEITURAS CHAVE

REFERÊNCIAS

Anderson. 2003. Sustaining livelihoods through animal genetic resources. In Conservation and sustainable use of agricultural biodiversity. Published by CIP-UPWARD in partnership with GTZ, IDRC, IPGRI and SEARICE

Armstrong, S. 1993. The last taboo. WorldAIDS, 29:2.

Bragdon, S., Fowler, C. & Franca, Z. (eds). 2003. Laws and policy of relevance to the management of plant genetic resources. Learning Module. The Hague, The Netherlands, ISNAR.

FAO. June 1996. Global plan of action for the conservation and sustainable utilisation of plant genetic resources for food and agriculture, Leipzig, Germany.

FAO. 2003. HIV/AIDS and agriculture: impacts and responses. Case studies from Namibia, Uganda and Zambia.

FAO. No date. Gender and food security - The feminization of agriculture. Source: www.fao.org/Gender/en/agrib2-e.htm

Funtowicz, S.O. & Ravetz, J.R. 1994. The worth of a songbird. Ecological economics as a post-normal science. Ecological economics 10, pp.197–207.

GRAIN. 2004. Good ideas turned bad? A glossary of right-related terminology. www.grain.org/seedling/?id=259

Howard, P.L. 2003. Women and plants, gender relations in biodiversity management and conservation. United Kingdom, ZED Books.

IK Notes, No. 44. May 2002. The contribution of indigenous vegetables to household food security.

Leskien, D. & Flitner, M. 1997. Intellectual property rights and plant genetic resources: Options for a sui generis system. IPGRI, Issues in Genetic Resources No. 6, June 1997.

Moreki. 2001. Village poultry and poverty alleviation. Workshop proceedings of community based management of animal genetic resources, Swaziland 7–11 May 2001.

UNEP. 1992. Convention on Biological Diversity. www.biodiv.org

White, J. & Robinson, E. 2000. HIV/AIDS and rural livelihoods in sub-Saharan Africa. United Kingdom, Natural Resources Institute, University of Greenwich.

Wooten, S. 2003. Losing ground: Gender relations, commercial horticulture, and threats to local plant diversity in rural Mali. In Howard, P.L. (Ed). 2003. Women and plants, gender relations in biodiversity management and conservation, United Kingdom, ZED Books.

Web sites
FAO Web site on Plant Genetic Resources: www.fao.org/ag/agp/agps/pgr/default.htm
FAO Web site on Agrobiodiversity: www.fao.org/biodiversity/index.asp?lang=en
FAO Web site on Gender, Agrobiodiversity and Local Knowledge: www.fao.org/sd/links
International Undertaking on Plant Genetic resources (IU): www.fao.org/ag/cgrfa/IU.htm
ITPGRFA or International Seed Treaty: www.fao.org/AG/CGRFA/ITPGR.htm
Global Plan of Action, Leipzig, 1996: www.fao.org/WAICENT/FaoInfo/Agricult/AGP/AGPS/GpaEN/leipzig.htm
Convention on Biological Diversity: www.biodiv.org/convention/articles.asp
Global Strategy for the Management of Farm Animal Genetic Resources: www.fao.org/ag/cgrfa/AnGR.htm
CEDAW: www.un.org/womenwatch/daw/cedaw


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