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ANEXO 9

Ponto 5 da Ordem de Trabalhos(CAF 05/2)

SISTEMAS NACIONAIS DE INOCUIDADE DOS ALIMENTOS NA ÁFRICA - UMA ANÁLISE DA SITUAÇÃO
(Documento preparado pelo Escritório Regional da FAO para a África, Accra, Gana)

1. Introdução

Numa região em que a insegurança alimentar, instabilidade política, doenças transmissíveis, desastres naturais e outras grandes preocupações dominam as agendas dos governos e os meios de comunicação, a importância da inocuidade dos alimentos muitas vezes não é bem compreendida. Contudo, a inocuidade dos alimentos tem uma importância crucial para a África devido ao impacto exacerbante sobre os outros problemas.

O Plano de Ação da Cúpula Mundial sobre Alimentação de 1996 reconhece a importância da inocuidade dos alimentos, pois assim definia a segurança alimentar: “…quando todas as pessoas …(têm) acesso a alimentos suficientes, inócuos e nutritivos …”. Além disso, as doenças transmitidas por alimentos contribuem para redução da produtividade dos trabalhadores, deficiências e até morte precoce, diminuindo a renda e o acesso à alimentação. As doenças transmitidas por alimentos também contribuem para o sofrimento humano na região. Há uma incidência elevada de doenças diarréicas em crianças africanas, estimada em 3,3 a 4,1 episódios por criança por ano. Estima-se que 800.000 crianças na África morrem a cada ano de diarréia e desidratação.1

As práticas destinadas a melhorar a inocuidade dos alimentos também reduzem as perdas de alimentos e aumentam a disponibilidade de alimentos. Além disso, os países que conseguem assegurar alimentos inócuos podem aproveitar as oportunidades de comércio internacional, aumentando os níveis de renda. Por exemplo, Quênia conseguiu aumentar suas exportações de peixe para a UE de 742 toneladas em 1999 para 2.818 toneladas em 2001 em conseqüência do fortalecimento das medidas de inocuidade dos alimentos. Por várias razões, os governos da região talvez não consigam realizar inspeções apropriadas da importação de alimentos, causando uma entrada de alimentos de qualidade inferior e mesmo nocivos. A falta de acesso a alimentos inócuos, os baixos níveis de renda e um sentido de injustiça nas questões comerciais muitas vezes são fatores importantes no aumento da instabilidade política, salientando ainda mais a importância da inocuidade dos alimentos na região.

Pessoas que sofrem de HIV/AIDS, tuberculose, malária e outras doenças que afetam a região correm maior risco de ficarem debilitadas por alimentos nocivos, pois seus sistemas imunológicos já estão comprometidos. Assim, a garantia de alimentos inócuos é essencial para melhorar a qualidade de vida das pessoas já afetadas por doenças. Do mesmo modo, pessoas que sofrem de doenças transmitidas por alimentos têm maior probabilidade de contrair outras doenças transmissíveis. Além do mais, as doenças transmitidas por alimentos são um dos mais importantes fatores subjacentes da desnutrição e, indiretamente, infecções do aparelho respiratório nos países em desenvolvimento. Episódios repetidos de doenças transmitidas por alimentos durante um certo período podem provocar desnutrição, com um sério impacto sobre o crescimento e o sistema imunológico das crianças.

Os desastres naturais, como secas e inundações, também afetam com freqüência a região. Os alimentos cultivados e armazenados nessas condições são mais suscetíveis a contaminação por micotoxinas, uma toxina nociva que ocorre naturalmente. Por exemplo, mais de 100 mortes foram notificadas na região em meados de 2004, devidas a intoxicação por micotoxinas.

Infelizmente, os sistemas de inocuidade dos alimentos na maioria dos países da região são em geral fracos e fragmentados e não são bem coordenados; assim, não são bastante eficazes para proteger adequadamente a saúde dos consumidores e aumentar a competitividade das exportações de alimentos. Contudo, reconhece-se que a melhoria dos sistemas de inocuidade dos alimentos tem muitos custos de curto e longo prazo e pode representar um desafio para muitos países.

Embora a situação em cada país seja afetada pelas suas condições específicas, alguns princípios e componentes comuns de um sistema eficaz de inocuidade dos alimentos são geralmente necessários em cada país. Examinaremos cada um dos principais componentes de um sistema eficaz de inocuidade dos alimentos, abordando a situação geral de cada um, bem como as recomendações a serem consideradas pela Conferência. Contudo, deve-se assinalar que uma análise completa dos sistemas de controle da inocuidade dos alimentos na África exigiria um estudo mais longo e abrangente da situação em cada país, ultrapassando os limites deste documento.

2. Panorama dos componentes de SGIA na África e ações necessárias para sanar as deficiências

2.1 Política nacional de inocuidade dos alimentos

As políticas nacionais coerentes de inocuidade dos alimentos são a base de um sistema eficaz de gestão da inocuidade dos alimentos. Em geral, os problemas de inocuidade dos alimentos não são abordados adequadamente nas políticas nacionais da maioria dos países africanos; portanto, não é possível adotar abordagens coordenadas e sustentáveis à gestão holística da inocuidade dos alimentos. Conforme indicamos anteriormente, a maioria dos países da região não percebe as importantes implicações sanitárias e econômicas da inocuidade dos alimentos, de modo que essa questão tem pouca prioridade nas políticas nacionais. Portanto, os governos da região devem trabalhar para entender os benefícios econômicos e de saúde pública da melhoria dos sistemas de inocuidade dos alimentos, e, assim, formular políticas nacionais coerentes de inocuidade dos alimentos, em consulta com todos os interessados, incluindo a indústria alimentícia, instituições de pesquisa e consumidores.

2.2 Legislação alimentar

Os sistemas tradicionais de controle de alimentos na maioria dos países africanos não dão às agências envolvidas um mandato claro e autoridade para prevenir problemas de inocuidade dos alimentos. Ademais, muitos países africanos não dispõem de legislação alimentar em concordância com os requisitos internacionais (Codex). Conforme mostra a Tabela 1, a atual legislação alimentar é antiquada, inadequada e fragmentada e está dispersa em vários estatutos e códigos, criando uma confusão evitável entre agentes de controle dos alimentos, produtores e distribuidores. A aplicação da legislação alimentar também é problemática, resultando muitas vezes numa proteção insuficiente do consumidor contra práticas fraudulentas e alimentos contaminados, e levando à importação e produção nacional de alimentos de baixa qualidade, bem como rejeição das exportações de alimentos da região. O setor informal, que freqüentemente é um importante produtor e distribuidor de alimentos frescos e processados (inclusive os vendidos na rua2) para consumo direto, em geral está for a do alcance dos sistemas oficiais de controle e continua sendo o menos controlado, exceto pelas autoridades municipais de higiene ambiental.

As leis básicas sobre alimentos devem emanar de políticas nacionais de inocuidade dos alimentos que reconheçam a importância de uma abordagem científica à inocuidade dos alimentos e claramente definir responsabilidades para as agências implementadoras. Os governos devem utilizar ferramentas e assessoria proporcionadas pela FAO e OMS na elaboração de legislação alimentar, bem como outros aspectos dos sistemas nacionais de controle dos alimentos. Em particular, as Diretrizes para Fortalecimento dos Sistemas Nacionais de Controle dos Alimentos emitidas em 2003 pela FAO/OMS3 oferecem opções interessantes que podem ser consideradas nesse campo. Como no caso das políticas de inocuidade dos alimentos, todos os interessados relevantes devem estar envolvidos na elaboração da legislação alimentar, o que também deve aumentar o índice de aplicação das leis e regulamentos.

2.3 Formulação de normas nacionais de alimentos

A globalização dos mercados de alimentos obriga as nações a desenvolverem normas alimentares que sejam sensíveis às necessidades dos usuários, bem como aceitas e reconhecidas internacionalmente. O Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da OMC estipula que as normas nacionais sanitárias e fitossanitárias baseadas em normas internacionalmente acordadas do Codex Alimentarius, IPPC ou OIE não necessitam de justificação científica adicional. Conforme indicado na Tabela 2, alguns países da região têm órgãos nacionais que estabelecem normas alimentares, em geral baseadas nas normas relevantes do Codex. Contudo, em muitos países as autoridades normativas de alimentos não estão bem definidas nem participam ativamente do estabelecimento de normas alimentares nacionais.

Como parte do sistema de gestão da inocuidade dos alimentos, os governos nacionais devem estabelecer normas alimentares baseadas no Codex Alimentarius. Assim como nas políticas e leis de inocuidade dos alimentos, todos os interessados, inclusive consumidores, devem estar envolvidos na criação de normas nacionais sobre alimentos.

2.4 Avaliação científica de riscos das questões de inocuidade dos alimentos

Embora exista um acordo quase universal no sentido de que uma avaliação científica do risco é parte essencial da base para qualquer decisão sobre manejo do risco de inocuidade dos alimentos, a realização de uma avaliação competente, oportuna e independente dos riscos representa um desafio considerável para a maioria dos países africanos. As avaliações de risco são necessárias para estabelecer leis sobre inocuidade dos alimentos, bem como ajudar a estabelecer prioridades de inspeção dos alimentos e outras políticas de inocuidade dos alimentos. A FAO e a OMS recentemente prepararam um Manual de Análise dos Riscos para a Inocuidade dos Alimentos que descreve o conceito e processo de avaliação do risco, bem como manejo e comunicação do risco.

Contudo, o número de riscos para a inocuidade dos alimentos que devem ser avaliados é grande e está aumentando. A magnitude de efeitos adversos sobre a saúde associados com contaminantes alimentícios continua a aumentar à medida que a pesquisa científica desenvolve outras maneiras de medir o risco. Quase todos os países africanos enfrentam problemas semelhantes de falta de recursos técnicos e dificuldade de coletar seus próprios dados toxicológicos e de avaliação da exposição para efetuar avaliações de risco.

Os governos da região devem utilizar as avaliações de risco executadas pelos órgãos avaliadores da FAO/OMS em suas decisões sobre inocuidade dos alimentos. Os países também devem fornecer seus dados sobre níveis de contaminantes, padrões de consumo de alimentos e todos os outros dados solicitados pelos órgãos de avaliação de risco da FAO/OMS para que essas avaliações internacionais reflitam exatamente a situação dos países da região. Contudo, os países da África em geral têm necessidades e prioridades diferentes dos órgãos internacionais para as substâncias sobre as quais devem realizar avaliações de risco. Dado que a maioria dos países da região não dispõe de recursos adequados para realizar efetivamente as avaliações de risco necessárias no nível nacional, um órgão regional de avaliação de risco pode proporcionar um serviço valioso na execução das avaliações de risco exigidas pelos governos nacionais.

2.5 Mecanismos e esquemas de inspeção

Um sistema eficaz de gestão da inocuidade dos alimentos requer claros procedimentos e políticas de inspeção aplicados por inspetores bem treinados não só para aplicar esses procedimentos mas também para atuar como assessores sobre garantia da qualidade e extensionistas da indústria de alimentos. Os inspetores de alimentos na África geralmente sofrem de (i) baixo status profissional não proporcional às suas responsabilidades, (ii) falta de apoio logístico para realizar as inspeções (transporte, equipamento de inspeção, etc.); (iii) tarefas cumulativas que muitas vezes lhes são exigidas (controle de preços, inspeção de itens de consumo não alimentícios, pesos e medidas, higiene ambiental, etc.). Os serviços nacionais de inspeção de alimentos em geral se localizam nas capitais e principais cidades, e pouco ou nenhum controle é exercido nas pequenas cidades e áreas rurais. Poucos países da região possuem sistemas nacionais eficazes de inspeção e certificação de importações e exportações, conforme indica a Tabela 2. Alguns países realizam inspeções parciais das importações e exportações de carne e peixe. Nos países em que existe um forte mercado exportador num determinado setor, os serviços de inspeção em geral estão envolvidos no controle desses produtos. Para se beneficiar da receita das exportações de alimentos e se proteger de alimentos importados de má qualidade, os governos da região devem melhorar seus sistemas de inspeção, tanto em termos de qualidade quanto de quantidade, para satisfazer as necessidades nacionais nesse campo.

2.6 Serviço de apoio laboratorial

A aplicação efetiva da legislação alimentar e a implementação de sistemas de vigilância de doenças transmitidas por alimentos exigem uma capacidade sólida e eficiente de análise de alimentos no nível nacional e subnacional. Infelizmente, os laboratórios de controle alimentar na África geralmente são muito fracos, conforme indica a Tabela 2. A maioria dos laboratórios de saúde pública não tem capacidade para testar contaminantes químicos e toxinas naturais. Foram identificadas algumas causas dessa deficiência.

Somente uns poucos laboratórios na África são credenciados para testes específicos de acordo com os requisitos de qualidade, administrativos e técnicos de ISO 17025, a norma internacional que estipula requisitos gerais para a competência de laboratórios de teste e calibração. Em resultado, a competência em termos de equipamento e qualificação do operador, bem como confiabilidade dos resultados, talvez não seja satisfatória. Além do mais, os exportadores de alimentos talvez tenham que enviar amostras de seus produtos para laboratórios credenciados em outros países para testagem de modo a serem aceitos pelo país importador. Isso aumenta o custo e a inconveniência do processo de exportação de alimentos da região.

Os países da região devem atribuir prioridade ao fortalecimento dos laboratórios de controle de alimentos. Os países vizinhos também podem colaborar para desenvolver programas interlaboratoriais de teste, programas de treinamento conjunto ou mesmo laboratórios sub-regionais que possam atender as necessidades de vários países. Os governos também podem fortalecer parcerias público-privadas entre laboratórios para utilizar melhor os recursos escassos de um país.

2.7 Capacidade industrial de fornecer alimentos inócuos

A produção, processamento e comercialização de alimentos na maioria dos países da região é muito fragmentada entre um grande número de pequenos produtores e manipuladores que carecem do conhecimento e perícia apropriada na aplicação de práticas modernas e higiene alimentar. Os desafios e possibilidades para esses produtores pequenos e médios produzirem alimentos inócuos e de alta qualidade são detalhados no documento CAF 05/5. Junto com os desafios de pequenas e médias empresas, há muito poucos sistemas bem estabelecidos para ajudar essas companhias a desenvolver sua capacidade de fornecer alimentos inócuos, conforme indica a Tabela 2. Alguns países que exportam produtos para países de alta renda de determinados setores, como peixe, produtos de horticultura e carne, têm treinamento e apoio adequado para indústrias nesses setores. Em muitos casos, a indústria alimentar aceitou a responsabilidade primordial pela qualidade e inocuidade dos alimentos, como ocorre em outras regiões do mundo. Portanto, a indústria alimentar muitas vezes lidera o treinamento e desenvolvimento nesses campos, com outros interessados como facilitadores. Contudo, muitos setores em vários países ainda precisam se reestruturar para cumprir os atuais requisitos de inocuidade dos alimentos e garantia da qualidade, inclusive a aplicação do sistema de boas práticas de higiene (BPH), boas práticas de fabricação (BPF) e análise de riscos e pontos críticos de controle (ARPCC).

Além dos produtos alimentícios para exportação, os governos nacionais também são responsáveis pela inocuidade e qualidade dos alimentos produzidos para consumo interno através de mercados abertos, supermercados, escolas, hospitais, restaurantes, venda na rua e outros métodos. Os esforços para melhorar a inocuidade e qualidade dos alimentos para esses mercados em geral são mal financiados. Assim, todos os interessados, inclusive a indústria alimentar, governos e sociedade civil devem fazer um esforço consciente no sentido de treinar e equipar a indústria alimentar para produzir alimentos inócuos e de alta qualidade em todos os países da região.

2.8 Rede de informação sobre questões de inocuidade dos alimentos

Um papel cada vez mais importante para os sistemas nacionais de controle de alimentos é a provisão de informações e assessoria às partes interessadas em todo o ciclo do campo à mesa, tanto no país como no exterior. Essas atividades incluem:

Na maioria dos países da região, falta uma aquisição e divulgação estruturada e regular de informações relevantes ao público sobre problemas de inocuidade dos alimentos e medidas correspondentes para resolvê-los (Tabela 3). Esses sistemas de informação serviriam de base para reforçar a confiança entre os consumidores e os meios de comunicação. Assim, os consumidores estariam preparados para abordar questões relacionadas com a inocuidade dos alimentos e esperar que as agências envolvidas tomarão as medidas necessárias para protegê-los. Além disso, os governos devem ter um mecanismo para partilhar informação sobre surtos de doenças transmitidas por alimentos e seus resultados, incluindo a perda de produtividade e implicações econômicas. Atualmente, essa informação não é prontamente adquirida ou divulgada às agências relevantes para que se tomem as medidas necessárias.

Também é essencial que os governos compartilhem informação com outros países da região, bem como países de fora da região. Por exemplo, os países devem seguir as Diretrizes do Codex para Intercâmbio de Informação em Situações de Emergência de Inocuidade dos Alimentos (CAC/GL 191995, Rev. 1–2004). Muitos países reconhecem a importância do intercâmbio de informação sobre importações de alimentos rejeitadas devido a qualidade ou inocuidade inferior, mas ainda não existe uma rede que partilhe efetivamente essa informação com outros países para ser usada pelos países da região. As agências envolvidas também precisam ter acesso a informação sobre rejeição e/ou rebaixamento de exportações de alimentos de seu país para que possam tomar medidas corretivas.

2.9 Treinamento e educação em inocuidade dos alimentos

Reconhece-se em geral que o conhecimento sobre inocuidade dos alimentos proporciona a base para o desenvolvimento de estratégias e iniciativas de intervenção destinadas a prevenir doenças transmitidas por alimentos. Contudo, nenhum país da região estabeleceu programas educacionais contínuos para funcionários governamentais de controle de alimentos, funcionários da indústria de alimentos e/ou consumidores. O treinamento ou educação que existe é esporádico, não é focalizado nem baseado em problemas reais ou possíveis de inocuidade dos alimentos. Mais importante, atualmente essa educação é insustentável porque os beneficiários não reconhecem sua utilidade de modo a pagarem pelos serviços, reduzindo a qualidade da educação disponível.

2.10 Conscientização dos consumidores

A importância da educação dos consumidores na prevenção de doenças transmitidas por alimentos é amplamente reconhecida. Quando os consumidores têm consciência acerca da qualidade e inocuidade, podem complementar os esforços das agências de controle dos alimentos no sentido de fazer com que a indústria forneça alimentos inócuos e de boa qualidade.

Tendo em vista o papel catalisador desempenhado pelas associações de consumidores na promoção da qualidade e inocuidade dos alimentos, os governos da região devem facilitar o estabelecimento e sustentabilidade dessas associações. Essas associações são ativas em algumas partes da África, mas devem ser incentivadas a aumentar seus esforços de educação dos consumidores e responsabilizar a indústria e o governo pela inocuidade e boa qualidade dos alimentos.

2.11 Coordenação das atividades de inocuidade dos alimentos no nível nacional

Para assegurar a inocuidade dos alimentos numa economia global é preciso um alto grau de comunicação, coordenação e cooperação nos países e entre eles. A gestão da inocuidade dos alimentos é uma questão multissetorial, em geral envolvendo os ministérios da saúde, agricultura, comércio, industria e, às vezes, pesca e turismo, bem como os governos locais. Na ausência de uma bem definida política nacional de inocuidade dos alimentos com planos de implementação, essas organizações tendem a operar de acordo com suas próprias aspirações de inocuidade dos alimentos. Ademais, sem responsabilidades bem definidas para essas organizações, os escassos recursos disponíveis nos países da região são dissipados pela duplicação de esforços. Quando as agências são indicadas para coordenar as atividades nacionais de inocuidade dos alimentos, em geral não dispõem dos recursos necessários para desempenhar as funções eficazmente.

Assim, é essencial um mecanismo de coordenação bem estabelecido e sustentável com responsabilidades bem definidas para cada agência. Contudo, conforme indica a Tabela 3, poucos países da região atualmente possuem mecanismos de coordenação funcionando de maneira efetiva. O documento CAF 05/6 descreve a coordenação e cooperação no nível nacional e regional.

2.12 Vigilância epidemiológica das doenças transmitidas por alimentos

Conforme indicado anteriormente, muitos incidentes de doenças transmitidas por alimentos são notificados a cada ano na África. Numerosos fatores, alguns examinados neste documento, contribuem para esse número elevado de incidentes. Contudo, é extremamente importante assinalar que a maioria dos casos de doenças transmitidas por alimentos na região não são notificados, de modo que não se conhece a exata dimensão do problema.

Na maioria dos países da região, a infra-estrutura de vigilância das doenças transmitidas por alimentos de etiologia microbiológica e química é deficiente ou inexistente. Com a exceção do cólera (que está sujeito ao Regulamento Sanitário Internacional da OMS), não há a obrigação de notificar doenças transmitidas por alimentos internacionalmente. Como mostra a Tabela 4, somente alguns países da região requerem notificação nacional de incidentes de doenças transmitidas por alimentos e um número ainda menor tem realmente uma notificação exata. Essa falta de dados confiáveis sobre as doenças transmitidas por alimentos prejudica o entendimento da sua importância em termos de saúde pública e impede o desenvolvimento de soluções baseadas no risco para seu controle.

2.13 Participação no Codex

Em sua maioria os países da região (48 em 53) são membros da Comissão do Codex Alimentarius e estabeleceram Comitês Nacionais do Codex e Pontos de Contato Nacionais do Codex (Tabela 4). A maioria desses países também indicou que adotaram uma ou mais das normas do Codex. Alguns utilizaram normas do Codex para elaborar sua própria legislação alimentar e outros, na ausência de legislação nacional, aplicaram as normas do Codex. Cada país membro do Codex na região deve efetivamente monitorar e adotar normas do Codex e participar da elaboração das normas, códigos e diretrizes do Codex, para que essas normas reflitam as necessidades dos países africanos.

2.14 Preocupações com a bio-segurança (regulamentos sobre biotecnologia ou OGM)

Somente alguns países da região estabeleceram quadros normativos para alimentos derivados da moderna biotecnologia, incluindo organismos geneticamente modificados (OGM). A maioria dos países, porém, assinou o Protocolo de Cartagena sobre Bio-segurança (Tabela 5). Com o rápido desenvolvimento da aplicação da moderna biotecnologia na produção de alimentos, é importante que cada país da região determine sua política nesse campo. Devido ao efeito transfronteiriço dos OGM, é essencial que essas políticas sejam harmonizadas sub-regionalmente para assegurar sua eficácia.

3. Recomendações para estabelecer sistemas integrados, adequados e eficazes de gestão da inocuidade dos alimentos

Os sistemas de gestão da inocuidade dos alimentos, bem como as necessidades de controle dos alimentos de cada país da África, são específicos. Assim, os países da região devem elaborar estratégias para responder a essas necessidades em seu próprio contexto, usando os princípios de melhores práticas adotados em outras regiões.

Os países da região devem identificar exatamente suas necessidades em termos de capacidade em inocuidade dos alimentos para que possam focalizar melhor seus escassos recursos. A FAO e a OMS recentemente elaboraram uma ferramenta de avaliação das necessidades de capacidade em inocuidade dos alimentos para sistemas oficiais de controle de alimentos para ajudar os governos nessa área. Os países devem utilizar essa ferramenta e aplicar os resultados da avaliação.

Os países africanos freqüentemente dependem de parceiros de desenvolvimento que nem sempre estão comprometidos com o fortalecimento sustentado dos sistemas de gestão da inocuidade dos alimentos. Em resultado, a assistência proporcionada pode ser orientada pelo doador e não baseada em necessidades reais. Essa assistência muitas vezes não é “de autoria” dos beneficiários e, assim, pode não ser sustentável. Os doadores e beneficiários devem trabalhar juntos para determinar as necessidades a serem atendidas, bem como os meios para atendê-las.

Os governos da região devem estar mais preparados para dedicar recursos adequados ao estabelecimento de sistemas eficazes de gestão da inocuidade dos alimentos. Contudo, os governos devem ter informação exata, oportuna e relevante para fazer com que as autoridades dêem mais prioridade às melhorias nos sistemas de inocuidade dos alimentos do que a outras utilizações dos escassos recursos nacionais. As autoridades necessitam de dados confiáveis sobre as implicações econômicas e sanitárias dos sistemas de gestão da inocuidade dos alimentos e as possíveis medidas a serem instituídas para assegurar a qualidade e inocuidade dos alimentos. O setor acadêmico e os institutos de pesquisa, junto com outros interessados no país e na região, devem trabalhar juntos no sentido de assegurar a coleta de dados exatos para ajudar as autoridades em suas decisões.

Além dos aspectos abordados neste documento, os governos devem realizar as seguintes ações para melhorar os sistemas de gestão da inocuidade dos alimentos:

(A) Implicações sanitárias e econômicas

Para que as autoridades nacionais de inocuidade dos alimentos priorizem melhor os escassos recursos, os governos devem gerar as informações necessárias, inclusive as seguintes:

(B) Quadro legal e institucional para SGIA

(C) Esquemas de Inspeção

(D) Serviços de apoio laboratorial

(E) Normas alimentares

(F) Educação dos consumidores

(G) Rede de informação

(H) Envolvimento dos interessados

4. Conclusões

Cada país tem algum tipo de sistema de gestão da inocuidade dos alimentos no nível nacional. Contudo, nem todos esses sistemas são eficazes e adequados ao seu propósito. Os governos devem estabelecer os diferentes componentes do sistema nacional de controle dos alimentos, determinar as inter-relações desses componentes e definir e implementar suas responsabilidades de assegurar a inocuidade dos alimentos.

Cada SGIA nacional deve trabalhar no sentido alcançar os dois objetivos principais de proteger a saúde dos consumidores e aumentar a competitividade dos produtos alimentícios locais no mercado interno e externo.

O SGIA nacional governamental pode ser complementado eficazmente pela indústria alimentar se todos os interessados ao longo da cadeia alimentar formarem a capacidade necessária para produzir e manusear os alimentos de maneira segura.

Os consumidores conscientes da inocuidade e dedicados ao longo da cadeia alimentar nacional poderão promover um comércio consistente e seguro de alimentos no âmbito nacional e internacional. Isso aumentará a segurança alimentar interna mediante um melhor acesso a alimentos inócuos e saudáveis e a resultante elevação da renda nacional devido ao aumento do comércio internacional de alimentos.

5. Referências

  1. Escritório Regional da FAO para a África. Documento encomendado Status of food safety management systems in African countries with recommendations for the way forward, L.E.Yankey, consultor da FAO.

  2. Conferência Regional da FAO/OMS sobre Inocuidade dos Alimentos na Ásia e Pacifico, Seremban, Malásia, 24–27 de maio de 2004. Regional coordination in strengthening countries participation and implementation of international food safety standards - CRD 9. Bureau Nacional de Produtos Agrícolas e Normas Alimentares, Ministério da Agricultura e Cooperativas, Tailândia.

  3. Fórum Global FAO/OMS de Reguladores da Inocuidade dos Alimentos, Marrakech, Marrocos, 28–30 de janeiro de 2002.

    1. Reduction of food-borne hazards, including microbiological and others, with emphasis on emerging hazards, Dr Claude J.S. Mosha e Mr Richard N. Magoma GF/CRD Tanzania-22.

    2. Food-borne Disease. Documento para a sala de conferência proposto pela Organização Mundial da Saúde, GF/CRD WHO-2.

  4. Segundo Fórum Global FAO/OSM de Reguladores da Inocuidade dos Alimentos, Bangkok, Tailândia, 12–14 de outubro de 2004.

    1. Strengthening official food safety control services. Documento preparado pela Secretaria da FAO/OMS; GF 02/3.
    2. Building a food safety system in Uganda. Documento preparado por Uganda; CRD 61.
    3. Food safety control services in Liberia. Documento preparado pela Libéria; CRD 50.
    4. Epidemio-surveillance of food-borne diseases and food safety rapid alert system Documento preparado pela Secretaria da FAO/OMS; GF 02/9.
    5. Developing and maintaining food safety control systems for Africa, Current status and prospects for change. Preparado pelo Escritório Regional da OMS para África; CRD 32.

  5. Conferência sobre Comércio International de Alimentos depois de 2000: Decisões Científicas, Harmonização, Equivalência e Reconhecimento Mútuo, Melbourne, Austrália, 11–15 de outubro de 1999. Assuring Food Quality and Safety: Back to the Basics - Quality Control Throughout the Food Chain, The Role of Consumers, Edward Groth III, PhD, Consumers Union of United States, Inc, EUA; ALICOM 99/11.

  6. Report of the session, Programa Conjunto FAO/OMS sobre Normas Alimentares, Comissão do Codex Alimentarius. Vigésima terceira sessão, Roma, 28 de junho a 3 de julho de 1999.

  7. Seminário da OMS sobre conscientização acerca da inocuidade dos alimentos na Região Africana, 4–6 de dezembro de 2002. Bamako, Mali.

ACRÔNIMOS

ARPCC- Análise de riscos e pontos críticos de controle
BPA- Boas práticas agrícolas
BPF- Boas práticas de fabricação
BPH- Boas práticas de higiene
BPV- Boas práticas veterinárias
EEB- Encefalopatia espongiforme bovina
EU- União Européia
GQ- garantia de qualidade
GSB- Junta Normativa de Gana
ISO- Organização Internacional para a Normalização
KEBS- Bureau Normativo do Quênia
LSP- Laboratório de saúde pública
MBS- Bureau Normativo de Malavi
MDA- Ministérios, Departamentos e Agências
NCC- Comitê Nacional do Codex
NCCP- Ponto de Contato Nacional do Codex
NSI- Instituições normativas da Namíbia
ONGs- Organizações não governamentais
SABS- Bureau Normativo Sul-Africano
SGIA- Sistema de gestão da inocuidade dos alimentos
SGQ- Sistema de gestão da qualidade
SLSB- Bureau Normativo de Serra Leoa
TBS- Bureau Normativo da Tanzânia
UNBS- Bureau Nacional de Normas de Uganda
ZBS- Bureau Normativo da Zâmbia

As tabelas 1–5 podem ser encontradas nas versões inglês e francês do CD Rom que acompanha este relatório.

1 Fact Sheet No. 109: Childhood Diseases in Africa. WHO. 1996.

2 Um exame aprofundado das questões referentes à inocuidade dos alimentos do setor informal de distribuiçao na África, inclusive os alimentos vendidos na rua, encontra-se em CAF 05/4.

3 FAO/WHO. 2003. Assuring Food Safety and Quality: Guidelines for Strengthening National Food Control Systems. FAO Food and Nutrition Paper 76.

Ponto 6 da Ordem de TrabalhosCAF 05/3

PRIORITIZAÇÃO E COORDENAÇÃO DAS ACTIVIDADES DE REFORÇO DA CAPACIDADE
(Comunicação apresentada pelo Secretariado FAO/OMS)

1. INTRODUÇÃO

Entre os muitos outros problemas com que se confronta a região, sistemas eficazes de garantia da inocuidade dos alimentos são essenciais para o bem-estar da população africana. Tal como se diz no documento Sistemas nacionais de inocuidade dos alimentos na África - Uma análise da situação (CAF 05/2), o acesso a alimentos seguros constitui um elemento importante da segurança alimentar, que é uma preocupação quotidiana de muita gente na região. Além disso, devido aos muitos outros problemas significativos de saúde pública com que se confronta a região, as doenças transmitidas pelos alimentos passam despercebidas com frequência, apesar dos seus efeitos desastrosos em termos de sofrimento humano e de custos económicos. Contudo, a elaboração de uma estimativa exacta da incidência das doenças transmitidas pelos alimentos na região é uma tarefa gigantesca, pois os sistemas de vigilância são inadequados e na maior parte dos países os sistemas de registo são também muito insuficientes. É necessário um sistema de notificação fiável da ocorrência dessas doenças, bem como dos riscos potenciais da oferta de produtos alimentares, para que seja possível conceber uma estratégia nacional eficaz de redução da incidência das doenças transmitidas pelos alimentos e promover a vontade política dos decisores políticos nacionais para atribuir maior prioridade e os necessários recursos aos programas de garantia da inocuidade dos alimentos. A notificação só por si exige já um reforço importante da capacidade política.

Alguns países da região compreenderam já que as exportações de produtos alimentares proporcionam receitas em divisas significativas, que contribuem para o desenvolvimento económico do seu país e, por consequência, para melhorar o nível de vida do seu povo. Porém, o acesso aos mercados de exportação de produtos alimentares, nomeadamente aos mais lucrativos, depende da capacidade do país para satisfazer os requisitos regulamentares dos países importadores. Ora para estabelecer relações de longo prazo com os importadores, os países da região devem reforçar a confiança dos seus parceiros comerciais no seu sistema de controlo alimentar.

Os sistemas de abastecimento alimentar em África são frequentemente fragmentados, implicando a participação de numerosos intermediários, o que os expõe a vários tipos de contaminação e de práticas fraudulentas. Além das questões atrás referidas relacionadas com a segurança alimentar, a saúde pública e o comércio internacional, a adulteração e a fraude são outros problemas significativos do abastecimento alimentar que preocupam os consumidores da região. Dado que em muitos países africanos as pessoas despendem com a alimentação perto de 50% do seu rendimento e que, no caso das famílias de menores rendimentos, esta percentagem pode ascender a mais de 70%, essas práticas fraudulentas podem ter um impacto devastador1

O documento CAF 05/2 refere a importância de garantir a inocuidade dos alimentos nestes vários contextos, bem como os desafios a que é necessário dar resposta para melhorar as várias componentes específicas dos sistemas nacionais de gestão da inocuidade dos alimentos. Atendendo a que os sistemas nacionais de garantia da inocuidade dos alimentos da região requerem grandes melhorias, são necessários programas eficazes, coordenados e pragmáticos de reforço da capacidade na área da inocuidade dos alimentos.

Se bem que as várias organizações multilaterais e bilaterais tenham executado numerosas actividades em África2 e que se tenham registado nestes últimos anos grandes progressos em termos de reforço da capacidade na área da inocuidade dos alimentos, muitas das deficiências básicas dos sistemas de garantia da inocuidade dos alimentos dos países da região não foram ainda corrigidas. Por conseguinte, no presente documento são abordados temas como a identificação e a prioritização a nível nacional das necessidades específicas, urgentes e importantes em termos de reforço da capacidade, a coordenação das actividades de reforço da capacidade e a sustentabilidade a longo prazo dessas actividades na Região Africana.

2. CONSIDERAÇÕES ESPECÍFICAS

2.1 O reforço da capacidade e os acordos da OMC

O artigo 9° do Acordo relativo à Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Acordo SPS) e o artigo 12° do Acordo sobre os Obstáculos Técnicos ao Comércio (Acordo TBT) da OMC sublinham a necessidade de “Assistência Técnica” destinada a permitir que os países em desenvolvimento Membros respeitem as exigências sanitárias e fitossanitárias dos Membros importadores, para facilitar o acesso ao mercado. O Acordo prevê igualmente que a assistência técnica pode respeitar aos domínios das técnicas de transformação, da investigação e das infra-estruturas. Estipula não só que sejam garantidos serviços de peritagem técnica e formação aos países em desenvolvimento Membros, mas também os equipamentos necessários para permitir que esses países atinjam os níveis de protecção sanitária e fitossanitária exigidos nos seus mercados de exportação.

Nos termos do artigo 9° do Acordo SPS, os Membros da OMC acordam em facilitar a concessão de assistência técnica a outros Membros, quer a nível bilateral, quer por intermédio das organizações internacionais adequadas. Porém, muitos países africanos não estão suficientemente informados sobre esse acordo de concessão de assistência técnica existente entre os Membros e, portanto, não solicitam essa assistência. Por outro lado, muitos países desenvolvidos também não tomam iniciativas adequadas de concessão da necessária assistência técnica.

A assistência técnica prestada até à data tem sido em muitos casos insuficiente para permitir que os países africanos respeitem as suas obrigações e derivem benefícios máximos do Acordo SPS. Será necessário um investimento substancial e esforços coordenados e concertados por parte dos doadores a nível bilateral e das organizações internacionais adequadas, dos bancos internacionais e de outros parceiros potenciais para que seja possível dar resposta aos desafios reais com que se confrontam os países da região.

2.2 Avaliação dos pontos fortes e dos pontos fracos dos sistemas nacionais de controlo alimentar

No documento CAF 05/2 é efectuada uma análise dos pontos fortes e dos pontos fracos dos sistemas nacionais de controlo alimentar da região que evidencia que muitos dos sistemas e instituições nacionais apresentam várias insuficiências que afectam a sua capacidade de resposta às questões relacionadas com a qualidade e a inocuidade dos alimentos. As insuficiências documentadas abrangem todos os elementos fundamentais de um sistema nacional de controlo alimentar eficaz, tais como: as infra-estruturas; as estratégias e políticas nacionais em matéria de qualidade e inocuidade dos alimentos; a legislação alimentar; os serviços de inspecção alimentar; os laboratórios de controlo alimentar; a participação efectiva nos trabalhos do Codex Alimentarius e de outras organizações internacionais relacionadas com o estabelecimento de normas e com o comércio; a aplicação de sistemas de garantia da qualidade e da inocuidade dos alimentos ao longo de toda a cadeia alimentar; a colaboração e a cooperação com os organismos nacionais; o intercâmbio de informação; a participação dos consumidores; a vigilância das doenças transmitidas pelos alimentos e a monitorização dos contaminantes; e conhecimentos especializados, científicos e técnicos. A qualidade e inocuidade dos alimentos do sector da venda ambulante é também um dos principais problemas da região, que é analisado em profundidade no documento CAF 05/4.

Além das componentes de sistemas de controlo alimentar eficazes analisadas no CAF 05/2, o principal problema no que se refere ao reforço dos sistemas de controlo alimentar relaciona-se com o desenvolvimento das infra-estruturas nacionais. Em muitos países da região, infra-estruturas básicas como as de saneamento, abastecimento de água potável, conservação no frio, transporte e fornecimento de energia eléctrica podem constituir condições prévias para a resolução de outros problemas atrás referidos, relacionados com o pessoal, os laboratórios e outros elementos dos sistemas de controlo alimentar. Além disso, um investimento substancial em tecnologias da informação é importante para melhorar a comunicação e o acesso à informação pertinente. Atendendo às numerosas insuficiências apresentadas pelos sistemas nacionais de controlo alimentar da região, será necessário executar uma série de medidas integradas e coordenadas de reforço da capacidade.

2.3 Identificação das necessidades específicas, urgentes e importantes de reforço da capacidade

O processo de reforço da capacidade deve começar por uma avaliação honesta efectuada pelo próprio país, com a participação de todos os interessados, destinada a identificar as necessidades nacionais específicas, urgentes e importantes e a conceber uma estratégia óptima de resposta a essas necessidades. O processo de avaliação das necessidades exige uma análise da estrutura existente que abranja a legislação nacional, os organismos participantes, a capacidade existente e as prioridades. As necessidades de assistência incluirão, de uma forma alargada, vários aspectos do reforço da capacidade humana e institucional.

A FAO está a testar as suas Directrizes para a avaliação das necessidades de reforço da capacidade dos sistemas oficiais de controlo alimentar (Guidelines to Assess Capacity Building Needs in Official Food Control Systems), que promovem uma abordagem participativa por parte de todos os interessados, para garantir a apropriação e para que o processo seja comandado pela procura. Uma vez que se reconhece que alguns países menos desenvolvidos da região podem necessitar de assistência na utilização deste instrumento, a FAO está também a conceber um instrumento mais conciso, que pode ser gerido com facilidade por consultores que visitem esses países. A FAO está a promover igualmente uma revisão pelos pares do instrumento de avaliação das necessidades de reforço da capacidade no domínio da Biosegurança, que aborda as necessidades intersectoriais relacionadas com a inocuidade dos alimentos, a sanidade animal e a fitossanidade. Após terem sido testados em países piloto, todos estes instrumentos serão traduzidos em todas as línguas oficiais da FAO e amplamente divulgados, provavelmente no início do ano de 2006.

Os resultados desta avaliação das necessidades disponibilizarão informações úteis para a concepção de um plano de acção nacional coerente, que defina uma estratégia coerente e integrada de aplicação de medidas internas e de assistência externa destinada a dar resposta às necessidades específicas de países individuais. As actividades de assistência técnica e reforço da capacidade poderão basear-se depois nas necessidades efectivas e essas actividades serão prioritizadas, concebidas e sequenciadas de modo a dar uma resposta eficiente e eficaz a necessidades específicas. A assistência específica prestada será coordenada por todos os interessados, tendo em conta os mandatos, os recursos e a especialização técnica dos vários organismos. A elaboração desse plano garantirá a colaboração entre os organismos nacionais competentes, bem como com as organizações externas, que nem sempre coordenam a assistência prestada aos países da região.

Além do plano de acção a nível nacional, é também essencial que as actividades a nível regional sejam coordenadas através de um plano de acção regional. Esse plano regional de resposta aos problemas em matéria de inocuidade dos alimentos, que incluirá um plano de acção do Comité de Coordenação FAO/OMS para a África (CCAfrica), será apresentado e discutido posteriormente, nas sessões dos grupos de trabalho da Conferência.

3. COORDENAÇÃO DAS ACTIVIDADES DE REFORÇO DA CAPACIDADE3

Os países podem ter capacidade para executar várias actividades úteis de reforço da capacidade e de assistência técnica no que se refere a elementos específicos dos sistemas nacionais de controlo da qualidade e da inocuidade dos alimentos, sem que efectuem uma avaliação das necessidades e concebam um plano de acção em matéria de inocuidade dos alimentos. Porém, acontece com frequência que estas actividades independentes não são bem coordenadas, a nível nacional ou com outros esforços desenvolvidos a nível regional, pelo que podem ser ineficazes e inadequadas, não permitindo assim atingir resultados óptimos ou sustentáveis. Infelizmente, os diferentes organismos de um modo geral não partilham as informações relativas a essas actividades ou obtidas através das mesmas.

As actividades de reforço da capacidade podem ser dispendiosas e exigentes em termos de tempo, tanto para o prestador desses serviços, como para o beneficiário dos mesmos; por outro lado, uma coordenação deficiente está frequentemente na origem de duplicações das actividades e de sinergias insuficientes entre as iniciativas, podendo inclusive obstar a que seja dada resposta às necessidades reais do país. Portanto, em complemento da concepção de planos de acção nacionais ou regionais em matéria de inocuidade dos alimentos, será necessário melhorar a colaboração e a coordenação entre os vários organismos que participam nas actividades de reforço da capacidade na área da inocuidade dos alimentos, quer a nível do país em causa, quer a nível regional ou internacional.

3.1 A nível nacional

No âmbito do plano de acção nacional em matéria de inocuidade dos alimentos, é essencial que todos os organismos de um país que detêm mandatos relacionados com a inocuidade dos alimentos colaborem entre si, para assegurar a coordenação e a sustentabilidade a longo prazo. Os organismos públicos devem colaborar também com o sector privado, com vista a promover e garantir a qualidade e a inocuidade dos alimentos produzidos4. Os organismos públicos e o sector privado devem também promover a participação das organizações de consumidores e de outras organizações não governamentais nas actividades relacionadas com a inocuidade dos alimentos, para assegurar que sejam tidas em conta as necessidades dessas partes interessadas. As universidades e outras organizações de investigação são também parceiros válidos de actividades relacionadas com vários aspectos da garantia da qualidade e da inocuidade dos alimentos a nível regional.

Os governos nacionais devem esforçar-se igualmente por coordenar a assistência recebida de vários doadores bilaterais e multilaterais. Os organismos competentes em matéria de inocuidade dos alimentos devem garantir que o apoio que recebem seja partilhado com todas as partes interessadas e que não haja duplicações dos contributos externos, para que os recursos disponíveis sejam utilizados da melhor forma.

3.2 A nível regional

Há grandes potencialidades de colaboração eficaz a nível regional entre os países de África. Existem já a nível regional e sub-regional numerosas organizações económicas fortes, algumas das quais se ocupam também de questões relacionadas com a inocuidade dos alimentos. Essas organizações incluem o COMESA, a EAC, a ECOWAS, a NEPAD, a SADC e a UEMOA, entre outras. Porém, muitas actividades actuais de reforço da capacidade não dão uma resposta adequada às necessidades da região ou não abordam áreas de interesse comum. Consequentemente, foi elaborado e será discutido um plano de acção regional em matéria de inocuidade dos alimentos destinado a melhorar a situação em termos de garantia da inocuidade dos alimentos em toda a região. As acções que se seguem são exemplos práticos de acções de reforço da capacidade que poderão ser executadas a nível regional para garantir a inocuidade dos alimentos:

3.2.1 Participação conjunta na formulação de normas internacionais

Na sequência de uma maior aceitação das normas do Codex Alimentarius e da criação do Fundo Fiduciário do Codex5, o interesse dos países da região pelas actividades da Comissão do Codex Alimentarius tem vindo a aumentar. O Acordo SPS especifica também claramente que todos os países Membros devem participar nas actividades internacionais no domínio das normas.

A participação dos países africanos, a nível individual, nas actividades das organizações internacionais de normalização depara com grandes dificuldades, devido aos custos e a restrições relacionadas com a capacidade. São necessários grandes esforços para que um país em desenvolvimento possa dar a conhecer os seus pontos de vista. Actividades de reforço da capacidade que promovam uma maior coesão a nível regional permitirão que todos os países da região tenham voz activa no processo do Codex. Os países precisam igualmente de assistência para que possam participar plenamente no processo de elaboração de normas e comparecer nas reuniões do Codex.

Será também discutido posteriormente, na sessão do grupo de trabalho sobre o plano de acção regional em matéria de inocuidade dos alimentos, um plano de acção de reforço do CCAfrica. As reuniões bienais do Comité CCAfrica poderão ser utilizadas para efectuar uma análise periódica da aplicação do plano de acção regional em matéria de inocuidade dos alimentos, bem como para abordar outras questões relacionadas com a inocuidade dos alimentos que interessem à região.

3.2.2 Abordagem dos sistemas de gestão da inocuidade dos alimentos

Está a ser integrada uma abordagem baseada no sistema HACCP nos novos códigos de higiene em curso de elaboração pelo Codex, bem como nos requisitos regulamentares de numerosos países, tais como a Austrália, o Canadá, os EUA, os Estados-Membros da União Europeia e outros, nomeadamente no que se refere a produtos mais susceptíveis de apresentarem riscos, tais como os produtos marinhos, a carne, as aves domésticas e os lacticínios.

Podem ser organizados numa base rotativa programas regionais destinados a promover o desenvolvimento dos recursos humanos das indústrias e das autoridades de controlo da região, que abranjam os seguintes aspectos:

  1. Estudo dos sistemas HACCP que estão a ser aplicados em países da região e exteriores à região;
  2. Concepção de módulos HACCP para vários sectores importantes, que prestarão apoio à indústria alimentar da região;
  3. Prestação de formação sobre todos os aspectos do HACCP, inclusive no domínio da auditoria, dirigida à indústria e às autoridades competentes.

3.2.3 Criação de centros sub-regionais de desenvolvimento dos recursos humanos na área da qualidade e da inocuidade dos alimentos

A formação foi identificada como uma actividade essencial para o desenvolvimento e a melhoria das competências dos recursos humanos e para a execução de programas de aplicação dos requisitos internacionais em matéria de qualidade e inocuidade dos alimentos. A existência de organizações económicas fortes a nível sub-regional, referida mais atrás, e o facto de serem utilizadas línguas comuns nos vários países da região conferirá grande eficácia a centros de formação a nível sub-regional, associados às várias organizações económicas. Os pequenos países com fundos limitados não poderão financiar programas de formação a nível nacional, mas esforços desenvolvidos a nível regional permitirão que os países da região aprendam com a experiência de outros que estão na mesma situação. Esses centros de formação poderão dar resposta às necessidades da região em áreas como a inspecção alimentar, as análises laboratoriais, a aplicação do sistema HACCP, etc. Os fundos necessários poderão ser solicitados a potenciais doadores bilaterais ou multilaterais, através das estruturas já existentes na região.

3.2.4 Certificados de reconhecimento mútuo da equivalência

O conceito de equivalência foi reconhecido no Acordo SPS e está também a ser promovido a nível internacional pelo Codex, com vista a utilizar mais eficazmente os recursos comuns, evitar as duplicações das inspecções e dos ensaios e garantir o cumprimento efectivo dos requisitos em termos de inocuidade dos alimentos. Os certificados de equivalência constituem um instrumento importante de facilitação do comércio, através do reconhecimento de que as normas e os sistemas de certificação do país exportador proporcionam um nível de protecção contra os riscos de saúde equivalente ao do país importador; contribuem também para a redução das taxas de rejeição e permitem simplificar os procedimentos de inspecção dos produtos de exportação nos mercados de importação.

Estes acordos de equivalência normalmente são celebrados a nível individual entre os países importadores e exportadores. Porém, se forem celebrados a nível regional acordos desse tipo que constituam uma forma de acordo regional de reconhecimento da equivalência das medidas sanitárias e fitossanitárias específicas aplicadas em todos os países da região, esses acordos não só serão muito vantajosos para o comércio intra-africano, como também facilitarão a negociação de acordos de equivalência com países terceiros, numa base regional. Os referidos acordos contribuirão igualmente para reduzir os encargos financeiros para todos os países membros. Por exemplo, os membros da Comunidade da África Oriental estão a elaborar actualmente a nível regional, em benefício de todos os países membros da organização, normas alimentares que facilitarão o comércio e o trânsito interregional de mercadorias. Estão também em curso iniciativas semelhantes de outras organizações sub-regionais.

Dado que muitos países da região são pequenos, interiores, têm fronteiras comuns (geralmente pouco vigiadas) com vários países e estão dependentes das importações de produtos alimentares, os acordos de reconhecimento da equivalência são especialmente importantes para países vizinhos da região. O reconhecimento mútuo é também a certificação da validade dos respectivos procedimentos de controlo de dois países que são parceiros comerciais. O acordo tanto pode abranger todos os tipos de produtos alimentares, como apenas produtos específicos.

3.2.5 Abordagem baseada nos riscos6 e harmonização a nível regional

Os riscos para os consumidores associados aos perigos dos alimentos foram considerados como um problema significativo a nível internacional. O artigo 5° do Acordo SPS prevê que as medidas sanitárias e fitossanitárias sejam estabelecidas com base em avaliações dos riscos realizadas de forma adequada às circunstâncias e, caso seja solicitada pelo país exportador, deve ser fornecida uma explicação das razões dessas medidas. O Codex está também a promover a aplicação dos princípios da análise de riscos por todos os Comités do Codex, no seu trabalho de elaboração e adopção de normas. Por vezes é necessário efectuar uma análise de riscos antes de estabelecer normas para uso interno, nomeadamente quando essas normas se relacionam com produtos autóctones ou diferem das normas internacionais devido às condições locais ou regionais. Propõe-se que essas normas sejam formuladas a nível regional, com base em estudos conjuntos de avaliação dos riscos, efectuados utilizando os pontos fortes dos diferentes países da região. Dado que a maior parte desses países não dispõem de recursos adequados para efectuar as necessárias avaliações dos riscos a nível nacional, um órgão regional de avaliação de riscos prestaria serviços muito úteis, efectuando as avaliações de riscos de que os governos nacionais necessitam para dar resposta às necessidades em termos de avaliação dos riscos a nível regional, quando essas necessidades não são satisfeitas por órgãos de avaliação de riscos exteriores à região. O estabelecimento de normas alimentares a nível regional pode exigir também uma harmonização das normas alimentares da região.

3.2.6 Ligação em rede dos laboratórios

A complexidade crescente da instrumentação laboratorial e dos métodos de análise alimentar criou grandes dificuldades a muitos países africanos. Consequentemente, o reforço do equipamento, dos recursos humanos e das infra-estruturas dos laboratórios foi identificado como uma área importante na maior parte dos países da região. Um sistema de ligação em rede dos laboratórios da região poderá ser de grande utilidade, pois permitirá que as estruturas laboratoriais de um país sejam utilizadas por outros países, evitando uma duplicação desnecessária dessas estruturas e facultando o acesso das mesmas a todos os países da região. A acreditação destes laboratórios de acordo com critérios internacionais constituirá condição prévia da integração dos mesmos numa rede regional.

Poderão ser organizados programas conjuntos de formação do pessoal dos laboratórios. Será também útil dispor de um sistema de laboratórios específicos responsáveis pela elaboração e manutenção de métodos normalizados e pela partilha dos mesmos. Poderão igualmente ser organizados ensaios de calibração interlaboratoriais que facilitarão a partilha dos dados obtidos nos ensaios analíticos, no âmbito dos processos de decisão e de elaboração de normas.

3.2.7 Certificação

As estruturas de certificação em diferentes áreas, tais como a certificação das exportações, o sistema HACCP, a ISO 9000, etc., deverão ser reconhecidas a nível regional, independentemente do país onde funcionam. Um país que tenha mais experiência numa área específica pode prestar assistência a outros países da região onde não existam sistemas nessa área, até que estes possam criar o seu próprio sistema.

3.2.8 Assistência técnica entre países da região

Além da assistência bilateral e multilateral prestada por países exteriores à região, muitos países da região possuem conhecimentos e experiência que podem ser partilhados com outros países da região, em benefício mútuo das duas partes. Numerosos países da região confrontam-se com problemas semelhantes e têm climas, histórias, infra-estruturas, etc. semelhantes, portanto estão em melhores condições de prestar apoio a outros países que se encontram na mesma situação. Devem ser identificados os pontos fortes de cada país e deve ser criado um sistema de armazenamento e partilha desta informação, para que possa depois ser prestada a necessária assistência técnica a outros países. As áreas identificadas são, entre outras, os ensaios laboratoriais, a inspecção e a certificação, incluindo a certificação das exportações.

Esta colaboração reduzirá a dependência em relação à assistência técnica exterior, que é frequentemente irrelevante. A cooperação no domínio da prestação de assistência técnica poderá contribuir também para reforçar o comércio intra-regional, que tem grandes potencialidades para ajudar os países de África a garantirem a sua segurança alimentar sem dependerem para tal dos mercados externos.

3.2.9 Comunicação e troca de informação

O acesso à informação é essencial numa economia alimentar global em mutação rápida. A FAO e a OMS disponibilizam vários recursos nesta área, mas continua a ser necessária mais assistência. As actividades neste domínio são descritas no documento CAF 05/6, Cooperação internacional, regional, subregional e nacional na área da inocuidade dos alimentos em África.

3.3 A nível internacional

A FAO e a OMS devem também colaborar na coordenação das actividades de reforço da capacidade na área da inocuidade dos alimentos desenvolvidas a nível internacional, que incluem as seguintes:

A FAO detém actualmente a presidência e a vice-presidência do Grupo de Trabalho para o programa “Standards and Trade Development Facility” (mecanismo para a elaboração de normas e o desenvolvimento do comércio), que procura melhorar a coordenação entre as actividades de reforço da capacidade relacionadas com as normas sanitárias e fitossanitárias. A OMC funciona como secretariado deste programa e a IPPC, a OIE e o Banco Mundial participam igualmente no grupo de trabalho. O STDF financia também projectos de reforço da capacidade no domínio das normas e do comércio.

O STDF colabora com o programa de apoio ao reforço da capacidade (Integrated Framework) do programa de facilitação do comércio (os parceiros participantes incluem a OMC, a UNCTAD, o ITC, o FMI, o Banco Mundial e o PNUD) e com outras iniciativas relacionadas com o comércio.

Tal como já foi dito mais atrás, muitos países da região recebem assistência técnica bilateral prestada por países exteriores à região e poderiam participar também em programas de geminação, no âmbito dos quais se familiarizariam com os sistemas de garantia da inocuidade dos alimentos dos países com que estão geminados, através de contactos directos com esses países.

4. SUSTENTABILIDADE A LONGO PRAZO DOS RESULTADOS DAS ACTIVIDADES DE REFORÇO DA CAPACIDADE

Para que as actividades de cooperação técnica possam ser eficazes e sustentáveis a longo prazo, devem contar com a participação de todos os interessados e o projecto deve basear-se nas necessidades. Deve ser atribuída especial atenção a uma sensibilização adequada de pessoas chave como os decisores políticos, bem como à criação de programas de educação pública relacionados com a inocuidade dos alimentos, por exemplo, integrando os aspectos da qualidade e da inocuidade dos alimentos nos programas de ensino, a todos os níveis. Os sistemas de controlo alimentar devem ser reforçados, através da aplicação de normas de sistemas internacionais (por exemplo, as normas do Codex, as normas ISO 17020, ISO 17025, ISO 22000 e as normas do Guia ISO/IEC 62 e 65), e devem obter a acreditação, para garantir uma aplicação sustentável das normas internacionais.

A assistência técnica prestada aos países em desenvolvimento deve ser analisada e avaliada periodicamente, para garantir a sua sustentabilidade e eficácia. Devem colaborar na realização desta análise todos os organismos que participam no processo, bem como os responsáveis dos países em desenvolvimento em causa. O objectivo consiste em avaliar a eficácia da assistência prestada, por referência aos objectivos que se propunha atingir e, se for caso disso, em proceder aos necessários ajustamentos da abordagem adoptada, para garantir a sustentabilidade e eficácia da mesma.

5. CONCLUSÃO

Para ser eficaz, o reforço da capacidade deve reflectir as necessidades, as prioridades e as condições específicas dos países da região. Se bem que tenham sido já executadas na região numerosas actividades de reforço da capacidade, esses esforços foram esporádicos, não permitindo obter massa crítica e produzir efeitos multiplicadores. A maior parte das actividades de reforço da capacidade têm-se centrado na formação e na organização de seminários, ao passo que o desenvolvimento de infra-estruturas como os equipamentos de laboratório tem sido limitado. São necessárias medidas destinadas a melhorar a cooperação e a colaboração entre as várias organizações que participam nestas actividades, formando alianças que contribuam para promover uma utilização óptima dos recursos. O reforço da capacidade deve ser abordado de forma integrada, numa perspectiva nacional, regional e internacional.

6. RECOMENDAÇÕES

Além dos aspectos referidos neste e noutros documentos da Conferência, são propostas à consideração da Conferência as seguintes recomendações:

Os países da região devem:

A FAO e a OMS devem:

1 Malik R.K. 1981. “Food: a priority for consumer protection in Asia and the Pacific region.” Food and Nutrition, 7:2.

2 Para uma lista completa das actividades de reforço da capacidade executadas em 2004 e 2005 pela FAO e pela OMS na Região Africana e em todo o mundo, ver CAC 28/INF 5:
ftp://ftp.fao.org/codex/cac/cac28/if28_05e.pdfOMS na Região Africana e em todo o mundo, ver CAC 28/INF 5:
ftp://ftp.fao.org/codex/cac/cac28/if28_05e.pdf.

3 No documento CAF 05/6 da Conferência são descritas em mais pormenor a coordenação e a cooperação na área da inocuidade dos alimentos em geral, a nível nacional e regional.

4 No documento CAF 05/5 são apresentadas informações mais pormenorizadas sobre os desafios e as possibilidades de produção de alimentos seguros e de boa qualidade pelos pequenos e médios produtores.

5 Para mais informações sobre o Fundo Fiduciário, consultar: http://www.who.int/foodsafety/codex/ trustfund/en/index.html

6 A FAO e a OMS estão a promover uma revisão pelos pares do manual de análise de riscos na área da inocuidade dos alimentos (Food Safety Risk Analysis), que constitui um quadro aplicável a todos os aspectos da análise de riscos (avaliação dos riscos, gestão dos riscos e comunicação dos riscos) a nível nacional.

Ponto 7 da Ordem de TrabalhosCAF 05/4

SETOR INFORMAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS NA ÁFRICA
(Alimentos vendidos na rua): Importância e desafios

(Documento preparado pelo Zimbábue)

1. Introdução

Os alimentos vendidos na rua são definidos como os alimentos preparados na rua e prontos para comer, ou preparados em casa e consumidos na rua sem preparação adicional.1 Devido ao fraco desenvolvimento econômico em resultado de vários fatores, a venda de alimentos na rua se tornou cada vez mais importante nas economias de muitos países africanos. Calcula-se che o comércio de alimentos na rua contribui com uma renda significativa para as famílias envolvidas. Ademais, os alimentos vendidos na rua são uma fonte de refeições baratas e nutritivas.2

Os tipos de alimentos vendidos na rua variam muito entre os países (Tabela 1). Contudo, a maioria das refeições consiste de alimentos básicos servidos em várias formas e em combinação com acompanhamentos como ensopados, molhos e condimentos. 3 Além disso, petiscos como carne seca, peixe e alimentos à base de cereais também são preparados e servidos. Portanto, os alimentos vendidos na rua são fonte de uma ampla gama de alimentos que podem ser nutricionalmente importantes para vários grupos da população.

Há uma percepção geral de que os alimentos vendidos na rua não são inócuos, principalmente devido ao ambiente em que são preparados e consumidos, que expõe o alimento a vários contaminantes potenciais. Os vendedores ambulantes geralmente levam os alimentos aos fregueses e, portanto, atuam em lugares como terminais de ônibus, entradas de fábricas, mercados e esquinas onde há uma clientela pronta e numerosa. Infelizmente, esses locais geralmente não cumprem todos os requisitos de inocuidade dos alimentos. Por exemplo, um grande volume de lixo se acumula e proporciona abrigo para insetos e animais nocivos.4 Os utensílios usados também podem causar contaminação, especialmente pela contaminação por metais pesados tóxicos ou simplesmente devido a exposição insalubre ao ambiente. Alguns estudos, porém, mostram que os alimentos preparados na rua podem ser inócuos, proporcionando alternativas para os consumidores.5 Portanto, a venda de alimentos na rua precisa ser abordada cuidadosamente e de maneira inovadora para obter o máximo de benefícios.

Tabela 1: Exemplos de alimentos vendidos nas ruas de alguns países africanos

PaísTipo de alimento
Gana6,7,8Fufu, kenkey, banku, waakye, akamu, jollof rice, moi-moi, agidi, koko, koose, arroz cozido, gari, inhame e banana, peixe seco, sopa leve, sopa de amendoim, sopa de quiabo, sopa de dendê, guisado de tomate, nkontmre
Zâmbia9Nshima, ensopado de galinha ou carne de vaca, legumes fritos, lingüiças defumadas, peixe buka buka, vísceras (isto é, estômago bovino), legumes e verduras (ifisashi - legumes misturados com amendoins moídos e favas)
Zimbábue10Sadza, galinha, ensopado de carne de vaca, legumes cozidos ou fritos, lingüiça de carne ou galinha, vísceras, feijão
África do Sul11Mingau de milho (papa), ensopado de galinha ou carne, molho, saladas
Quênia12Lingüiça, carne, peixe, ovos (cozidos), batata frita, cereais, café, chá, mingau, tubérculos (inhame, mandioca, batata-doce, araruta), espiga de milho, abóbora, banana, batata, cenoura descascada, cebola, alho, leite, iogurte, sorvete, manga, melancia, abacaxi, mamão, ensopado de carne de vaca, lingüiça africana
Malawi13Nsima, arroz, cerveja doce (bebida), carne, peixe, ovos, frutas e legumes, alimentos congelados
Benin, Togo, Senegal, Burkina Faso, Costa do Marfim14Mingau de cereal ou tubérculo (fermentado ou não), pão com manteiga, café ou chá, tutu de feijão, mistura de feijão-de-corda e cereal, mistura de milho e amendoim, massa, saladas, “monyo”, batata frita, amendoim, castanha de caju, etc.

Este documento destaca a situação atual da questão da venda de alimentos na rua na África, incluindo o impacto sócio-econômico, as preocupações com a inocuidade e as estratégias necessárias para abordar esse fenômeno crescente.

2. Situação sócio-econômica dos vendedores de rua

A venda de alimentos na rua desempenha um importante papel sócio-econômico nas economias africanas em termos de potencial de emprego. Embora os que vendam alimentos na rua tenham perfis diversos, em sua maioria são mulheres chefes de família. Por exemplo, um censo de vendedores de rua realizado em 2003 em Harare, Zimbábue, indica que cerca de 8.631 pessoas estavam envolvidas na venda de alimentos na rua,15 sendo 81% mulheres. A maioria desses vendedores emprega outras pessoas para ajudar nas atividades e, assim, se consideram como empregadores. Um censo similar realizado em Lusaka, Zâmbia, em 2003 registrou 5.355 vendedores de alimentos na rua, com outras 16.000 pessoas empregadas por eles. Estima-se que nas ruas de Lusaka são vendidas cerca de 81 milhões de refeições por ano 16 com um lucro de US$ 0,20 a US$ 31 por dia. Essa renda é significativa, se considerarmos que uma grande proporção da população africana vive com menos de US$ 1 por dia. Um outro estudo realizado em Gana17 também revela tendências similares em termos de participação dos diferentes grupos, sendo que as mulheres constituem a maioria dos vendedores. Contudo, os homens estão desempenhando um papel cada vez mais importante nessa atividade lucrativa.

Esses vendedores de alimentos atuam em vários lugares, incluindo mercados municipais, cooperativas, fábricas, terminais de ônibus e outros locais. A venda de alimentos ocorre junto com outras atividades, como a venda de roupas e artigos de armarinho, filas de ônibus, carrocinhas, limpeza de ônibus e venda de outros artigos como doces, tabaco e cigarros, expondo os alimentos a múltiplas fontes de contaminação. Além disso, a venda descontrolada de alimentos na rua pode resultar em sérios problemas de higiene ambiental e possível deterioração da ordem pública no caso de práticas inescrupulosas por parte dos vendedores.

3. Consumidores de alimentos na rua

Todos os grupos etários consomem alimentos nas ruas na África. Contudo, pode haver diferenças no tipo de clientela dependendo da localidade. Embora se considere em geral que as crianças menores de 5 anos são alimentadas em casa, segundo Mensah et al., (2002) muitas mães que trabalham nos mercados em Accra também compram alimentos de vendedores de rua para dar a seus filhos. Isso tem sérias implicações para a saúde das crianças.

A maioria dos consumidores de alimentos nas ruas da África Ocidental é composta de homens18 (mais de 65% dos consumidores em Benin, Senegal, Togo e Costa do Marfim). Embora a maioria dos consumidores pertença a grupos de renda baixa ou média, um número significativo é de profissionais e representam os diversos grupos étnicos dos países. Os consumidores também incluem analfabetos e pessoas com uma variedade de níveis educacionais.

4. Inocuidade dos alimentos vendidos na rua

Os aspectos higiênicos dos alimentos vendidos na rua constituem uma grande preocupação para os fiscais de alimentos.19 As estruturas dos locais de venda em geral são precárias e pode não haver água corrente, lavatórios e banheiros. Uma melhor inocuidade dos alimentos vendidos na rua pode ser obtida mediante campanhas de conscientização que envolvam vários parceiros como autoridades locais, os vendedores, departamentos do governo, organizações de consumidores, agências reguladoras e algumas organizações não governamentais. Em alguns casos, os vendedores estão ansiosos para participar em programas que proporcionem instalações básicas para que possam trabalhar em ambientes limpos. Por exemplo, numa pesquisa realizada em Lusaka e Harare, os vendedores de rua indicaram que estariam dispostos a pagar por instalações básicas como água e eletricidade, mas queriam que as autoridades locais proporcionassem pontos de água, recipientes para o lixo e lavatórios.20 Portanto, deve-se incentivar uma parceria viável entre autoridades locais, vendedores e encarregados da formulação de políticas, pois isso levaria ao melhoramento das condições de trabalho e permitiria uma melhoria do padrão de vida dos vendedores e suas famílias.

4.1 Segurança Microbiológica

A principal preocupação com os alimentos de rua é sua segurança microbiológica, principalmente porque são vendidos em lugares cujo saneamento pode ser deficiente. Testes realizados em alimentos vendidos nas ruas de países africanos detectaram vários microorganismos importantes em termos de saúde pública, incluindo coliformes fecais, Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Salmonella spp e Bacillus cereus. E. coli e S. aureus foram recuperados numa proporção significativa de alimentos, água, mãos e superfícies testadas em Harare. Amostras de fufu, kenkey e waakye testadas em Accra, Gana, também deram resultados positivos para E. coli e Staphylococcus aureus.21 Segundo Mensah et al. (2002), de 511 alimentos de rua examinados em Accra, 69,7% continham bactéria mesofílica, 5,5% continham Bacillus cereus, 31,9% continham S. aureus e 33,7% continham enterobacteriáceas. Shigella sonnei foi isolada em macarrão, Salmonella arizonae em caldo de carne e E. coli enteroagregativa em macarrão, guisado de tomate e arroz.22 Embora a qualidade microbiológica da maioria dos alimentos testados em Accra estivesse dentro de limites aceitáveis, amostras de saladas, macarrão, fufu, omo tuo e pimentão apresentavam níveis inaceitáveis de contaminação.23 Contudo, kenkey apresentava baixos níveis microbianos e é considerado um alimento de baixo risco devido ao baixo pH, que protege contra organismos patogênicos. Em outro estudo, observou-se que mais de 26% das amostras de alimentos de rua analisadas na Nigéria continham B. cereus e 16% continham S. aureus.24 Essas observações indicam que, embora os alimentos de rua sejam uma importante fonte nutritiva, também são uma possível fonte de microorganismos que provocam intoxicação.

4.2 Resíduos de metais pesados e pesticidas

Devido às condições em que são vendidos na rua, existe a preocupação de que os alimentos possam estar contaminados por resíduos de metais pesados e pesticidas. Esses contaminantes podem vir dos utensílios, matérias-primas ou métodos de transporte usados e podem ocorrer devido à falta de instalações apropriadas.

Um estudo realizado em Accra revelou que os vendedores de alimentos compram suas panelas e outros utensílios de fabricantes e vendedores formais e informais. Algumas das amostras de alimentos de rua apresentam níveis mais altos de chumbo, cádmio, arsênico, mercúrio e cobre do que as amostras de alimentos comuns,25 sugerindo possível contaminação dos utensílios. Outros testes mostram que o chumbo de panelas obtidas de fabricantes informais pode contaminar os alimentos. Essas panelas são fabricadas com resíduos metálicos que podem provir de diversas fontes como automóveis abandonados, baterias e máquinas industriais, que obviamente não são adequados para uso com alimentos. Deve-se desencorajar seu uso.

Entrevistas com vendedores de Harare também mostram que alguns de seus utensílios provêm de fontes informais. Isso foi atribuído ao fato de que, quando a polícia encontra esses vendedores, geralmente confisca os materiais, inclusive panelas e utensílios. Receosos de perder suas panelas mais caras, os vendedores passam a usar panelas de fabricação informal, expondo os consumidores à possibilidade de contaminação por metais pesados. É preciso envidar mais esforços para reduzir a exposição dos consumidores a resíduos de metais pesados e pesticidas nos alimentos vendidos na rua.

4.3 Higiene pessoal

A compra de alimentos prontos e ingredientes de vendedores de rua apresenta um risco considerável para a saúde pública, especialmente devido às deficiências observadas nas práticas de higiene.26 Na maioria dos casos em que foram realizados estudos da venda de alimentos na rua, os vendedores não dispunham de instalações para lavagem adequadas e alguns vendedores começavam a trabalhar sem ter tomado banho. Alguns vendedores dormiam no local para proteger seus pertences. Os alimentos e ingredientes também estão sujeitos a contaminação por mãos sujas e materiais usados para embrulho, como folhas, jornais e sacos de plástico reusáveis.

Contudo, muitos vendedores estão conscientes da necessidade de usar roupas limpas e apropriadas. Algumas das vendedoras usam toucas e aventais. Após algumas reuniões de conscientização para vendedores no mercado de Soweto em Lusaka, a maioria considerou a necessidade de dispor de roupas e utensílios limpos. Contudo, os vendedores se sentiam desapontados com a drenagem deficiente e ausência de pontos de água perto de seu local de trabalho. Alguns manipuladores de alimentos em mercados de Accra, Harare, Lilongwe e Lusaka lavavam suas mãos no mesmo balde usado para limpar utensílios, o que pode provocar a contaminação do alimento por matéria fecal. Outra preocupação é o fato de a maioria dos vendedores não ter certificados sanitários ou licenças indicando que passaram por um programa de treinamento sobre técnicas de manuseio de alimentos.

Para os vendedores de rua é mais barato usar sabão em barra do que líquido, que pode ser mais eficaz, para limpar os utensílios. Além disso, usam água fria, que resulta numa limpeza ineficiente. Os pratos lavados em geral são colocados num canto, bacia de plástico ou caixa de papelão nem sempre limpos, fazendo com que sejam novamente contaminados.

4.4 Higiene ambiental

As instalações inadequadas de disposição levam à acumulação de lixo nos pontos de venda de alimentos. Isso provoca aumento da população de animais nocivos e resulta num maior risco de contaminação dos alimentos. Em muitos casos, os pontos de venda não foram incluídos nos planos municipais e, portanto, não dispõem de serviços como coleta de lixo. As autoridades municipais muitas vezes enfrentam um dilema, pois a provisão de serviços a atividades ilegais implicaria seu reconhecimento. Ao mesmo tempo, já que as atividades são ilegais, os vendedores não contribuem para a manutenção da infra-estrutura ou provisão de serviços públicos. Isso contribui para uma maior deterioração da condições higiênicas da área em que os alimentos são vendidos.

A precariedade das condições sanitárias na área em que os alimentos são vendidos também contribui para a deficiência das condições de armazenagem e transporte. Os vendedores de rua em Lusaka, Harare e Johannesburg (Gauteng) obtêm seus legumes e verduras, farinha e outros condimentos de lojas legalizadas; portanto, há menos preocupação com a inocuidade dessas matérias-primas. Contudo, a maioria dos vendedores não dispõem de instalações fixas onde possam armazenar suas matérias-primas no local. Geralmente armazenam os produtos em casa e os transportam no dia seguinte, muitas vezes cobertos de maneira inapropriada, ao local de venda. Assim, os alimentos ficam sujeitos à contaminação no transporte.

5. Sistema de controle dos alimentos

O controle dos alimentos se refere a um conjunto sistemático de atividades realizadas pelos produtores, processadores, vendedores e autoridades nacionais ou locais num esforço para proteger os consumidores contra intoxicações alimentares e comerciantes inescrupulosos. O controle assegura que todos os alimentos produzidos num país ou importados cumpram os requisitos nacionais de inocuidade. Portanto, o sistema de controle de alimentos consiste de legislação alimentar, departamento de inspeção alimentar, instalações de análise de alimentos (laboratórios) e divulgação e gestão de informações.27

Em muitos países africanos, o setor informal de distribuição de alimentos freqüentemente escapa à inspeção formal das autoridades reguladoras, principalmente porque a maioria dos vendedores não tem licença e atua em locais não identificados. Muitos dos vendedores são itinerantes, mudando de um lugar para outro. Em alguns países, como Malawi, Moçambique, Quênia, Zâmbia e Zimbábue, os vendedores que atuam em locais não predeterminados são retirados à força dos locais de venda, principalmente porque suas atividades infringem as leis que governam a venda de alimentos. Contudo, em muitos países africanos, os programas de controle de alimentos precisam ser reforçados.

5.1 Desafios para as atividades de controle de alimentos na África

Vários estudos revelam que as atividades de controle alimentar, incluindo os alimentos vendidos na rua, nos países africanos são prejudicadas por uma série de fatores, incluindo:

Recentemente, as autoridades de controle alimentar do Zimbábue indicaram que suas funções estavam sendo prejudicadas pela fragmentação das leis sobre alimentos e pela falta de coordenação entre os departamentos de controle alimentar. Além disso, algumas das leis e regulamentos são antiquados e não abordam eficazmente as novas tendências, especialmente a venda de alimentos na rua. Assim, estão bem avançados os esforços para criar um Departamento de Controle Alimentar que administre a Lei de Controle Alimentar do Zimbábue. Uma fragmentação semelhante foi observada na África do Sul e a criação de uma agência de controle alimentar foi investigada como maneira de resolver esse problema.

Embora os vendedores ambulantes de alimentos em Uganda sejam reconhecidos como uma parte importante do sistema alimentar, não há uma lei abrangente que governe a venda nas ruas. O parlamento está considerando uma Lei de Inocuidade dos Alimentos abrangente. Contudo, existem várias leis que asseguram a segurança dos consumidores, inclusive:

A Lei de Saúde Pública de Uganda, Seção 109 (Normas para restaurantes) estabelece os requisitos mínimos e as práticas para os locais públicos que servem refeições. Além disso, dá aos funcionários encarregados o poder de emitir autorização para os restaurantes e revogá-la se ocorrer alguma infração. Por outro lado, a Lei de Alimentos & Drogas exige que todos os vendedores de alimentos sejam registrados e que o alimento vendido ao público seja adequado ao consumo humano, bem como dá ao funcionário encarregado o poder de inspecionar as instalações e recolher amostras dos alimentos para análise.

Na África Ocidental, a situação em termos de regulação e controle dos alimentos de rua não é satisfatória.28 No Benin e Senegal, foram adotadas leis e vários regulamentos para regular a produção e venda de alimentos nas ruas. Esses regulamentos estabelecem requisitos oficiais para licenciamento de um operador, condições e práticas para a produção e venda de alimentos na rua, penalidades em caso de fraude e outras infrações e instituições e funcionários encarregados do controle alimentar. Contudo, não definem especificamente as normas de qualidade e inocuidade exigidas para esses alimentos. No Togo, os regulamentos e estatutos alimentares não incluem disposições específicas sobre alimentos vendidos na rua.

Em muitos países africanos, a falta de recursos não permite que as instituições executem eficientemente suas tarefas de controle, educação e aplicação da lei.29 Essa restrição foi citada no Benin, Burkina Faso e Togo. Uma situação similar observa-se em Malawi e Moçambique.30 Em alguns países, como Senegal e África do Sul (município de Ethekwini), são significativos os resultados em termos de controle dos alimentos vendidos na rua. Esses resultados são atribuídos a boa organização, disponibilidade de pessoal bem treinado e conscientização dos consumidores.

5.2 Diretrizes do Codex sobre venda de alimentos na rua

A Associação de Normas do Zimbábue formulou diretrizes para medidas de controle a serem aplicadas à venda de alimentos na rua. As diretrizes baseiam-se nas Diretrizes do Codex para Elaboração de Medidas de Controle para Venda de Alimentos na Rua na África (CAC/GL-22-Rev.1 (1999)). Essas diretrizes enfatizam a necessidade de as autoridades locais proporcionarem estruturas e instalações higiênicas, bem como treinamento aos vendedores. As diretrizes do Codex também indicam os requisitos gerais sobre legislação, saúde do vendedor e preparação dos alimentos, inclusive cozimento, manuseio, serviço, transporte e armazenagem. Os países africanos foram consultados para a formulação das diretrizes do Codex; porém, há dois grandes problemas para sua implementação. Primeiro, os países africanos não têm recursos adequados para proporcionar uma infra-estrutura apropriada aos vendedores. Segundo, onde existem instalações, os vendedores não as utilizam, seja por estarem distantes de sua clientela ou por considerarem que não poderiam arcar com os custos.

5.3 Iniciativas para melhorar a inocuidade dos alimentos de rua na África

Dado que a venda de alimentos na rua é um fenômeno relativamente recente, muitos países africanos constataram que sua legislação alimentar não aborda adequadamente os novos desafios representados por essa venda. Algumas autoridades de controle alimentar tentaram abordar essa questão retirando os vendedores das ruas, mas encontraram bastante resistência. Na medida em que muitas economias africanas enfrentam os problemas de uma população crescente e a pandemia de HIV/AIDS, um número cada vez maior de pessoas se volta para a venda de alimentos na rua. Foram encomendadas várias iniciativas destinadas a buscar soluções inovadoras para aumentar a inocuidade dos alimentos de rua e melhorar a subsistência dos vendedores nos países africanos, incluindo as seguintes:

Aproveitando os esforços atuais para tratar da inocuidade dos alimentos vendidos na rua, a FAO e CI organizaram um seminário sub-regional em Lilongwe, Malawi, de 15 a 17 de junho de 2005, com o tema: ‘Alimentos vendidos nas ruas no sul e leste da África:equilíbrio entre segurança e subsistência’. Trinta e três participantes de sete países do leste e sul da África (África do Sul, Malawi, Moçambique, Quênia, Uganda, Zâmbia e Zimbábue) compareceram ao seminário, junto com representantes da FAO e CI. Esse esforço para assegurar alimentos inócuos e melhorar a subsistência dos vendedores reuniu vários interessados para formular um plano consensual destinado a promover a inocuidade dos alimentos de rua e assegurar o sustento dos vendedores no leste e sul da África. As apresentações feitas no seminário permitiram que os participantes partilhassem experiências da região e aprendessem com as experiências da África Ocidental e Ásia. Em resultado do seminário, os participantes se comprometeram a realizar as seguintes atividades de acompanhamento:

  1. Nos países que ainda não o fizeram, os participantes iniciarão pesquisas para determinar a extensão da venda de alimentos nas ruas, com ênfase especial no impacto dessa venda sobre os setores social, econômico e sanitário do país.
  2. Os participantes convocarão reuniões de interessados para destacar a importância e contribuição da venda de alimentos na rua para as economias dos países e enfatizar a necessidade de equilibrar a inocuidade dos alimentos e a subsistência como estratégia de alívio da pobreza.
  3. Os participantes ajudarão a criar uma rede de partes interessadas em cada país, incluindo a FAO e CI.

Na última década, muito foi feito para melhorar a situação dos vendedores de alimentos na rua e dos que consomem seus produtos. Contudo, em muitos países os esforços não se converteram em ações tangíveis ou melhorias na inocuidade dos alimentos. Portanto, é lógico que se habilitem os vendedores a liderar esses esforços para obter uma melhoria sustentável do setor. Com isso em mente, propõem-se as seguintes recomendações, algumas das quais citadas nas diversas iniciativas mencionadas, sobre uma abordagem coordenada para aumentar a inocuidade dos alimentos vendidos na rua e melhorar a subsistência dos vendedores.

6. Recomendações

  1. Os vários interessados (governo nacional, governo local, indústria, cientistas, consumidores e vendedores) na venda de alimentos na rua devem trabalhar juntos de maneira coordenada para evitar a formulação de leis e regulamentos conflitantes.

  2. As autoridades locais devem proporcionar aos vendedores informais instalações apropriadas em que possam exercer suas atividades, incluindo abrigos bem projetados, amplo abastecimento de água potável e instalações sanitárias (banheiros, lavatórios). Tudo isso deve ser feito em consulta com os vendedores de modo a criar locais favoráveis aos usuários.

  3. As leis alimentares devem ser adaptadas às novas circunstâncias, mas devem manter a capacidade de assegurar a inocuidade dos alimentos. Os países membros devem adotar as Diretrizes do Codex para a Venda de Alimentos nas Ruas em suas leis e normas nacionais sobre alimentos.

  4. Os vendedores de alimentos e inspetores sanitários devem entender as disposições das leis que governam os alimentos de rua, e essas leis devem ser redigidas em todos os idiomas nacionais.

  5. Deve haver uma interferência mínima nas funções dos inspetores sanitários por parte de outros interessados nos locais de venda que podem ter interesses conflitantes com os dos inspetores.

  6. Os inspetores sanitários devem ser continuamente treinados para assegurar a aplicação uniforme dos procedimentos legais e uma avaliação mais rigorosa durante as inspeções.

  7. Os inspetores devem estar adequadamente equipados com as ferramentas necessárias para testes e medições no local.

  8. Os vendedores de alimentos na rua devem ser treinados em todas as questões referentes à sua atividade, como higiene, leis alimentares e questões financeiras. Deve-se realizar campanhas de conscientização pelo rádio, televisão, cartazes e painéis.

  9. Os vendedores devem formar associações que facilitem a comunicação com outros grupos, como consumidores e autoridades sanitárias.

  10. Os consumidores devem estar informados sobre os requisitos dos alimentos saudáveis e inócuos, especialmente os vendidos na rua.

  11. As autoridades locais devem estabelecer taxas de licenciamento razoáveis para encorajar os vendedores a se registrar.

  12. Os vendedores devem receber ajuda para transformar sua atividade em negócios viáveis, que podem empregar várias pessoas e gerar renda real.

    Deve-se realizar um trabalho adicional em outros países africanos sob um plano de ação comum. Isso deve ser apoiado por políticas concretas do governo nacional.

7. Conclusão

A venda de alimentos na rua está se tornando cada vez mais importante na maioria dos países africanos. Contudo, os vendedores continuam a funcionar em ambientes insatisfatórios. São necessários esforços combinados para melhorar a inocuidade dos alimentos vendidos na rua e o sustento desses vendedores na África. Os manipuladores de alimentos necessitam de mais informações sobre inocuidade dos alimentos, que podem ser divulgadas através de vários meios e comunicação como rádios, televisão, cartazes e painéis. Os vendedores reconhecem a necessidade de reenfatizar os pontos importantes do manuseio higiênico dos alimentos mediante treinamento no local e visitas regulares dos inspetores sanitários. Deve-se encorajar os vendedores de alimentos a trabalhar em locais predeterminados e as autoridades locais devem proporcionar a infra-estrutura necessária para melhorar a inocuidade dos alimentos vendidos na rua.

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  17. Tomlins, K. & Johnson, P.N. 2004. Developing food safety strategies and procedures through reduction of food hazards in street-vended foods to improve food security for consumers, street food vendors and input suppliers. Crop Post Harvest Programme (CPHP) Project R8270. Financiado pelo DFID.

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Agradecimentos: As seguintes pessoas contribuíram para a preparação deste documento: Dr. T.H. Gadaga (Universidade do Zimbábue), Sra. J. Tagwirei (Conselho de Alimentos e Nutrição), Sra. P. Zindi (Laboratório de Analistas do Governo), Sr. F. Chinyavanhu (Laboratório de Analistas do Governo), Sr. D. Chibanda (Cidade de Harare, Departamento de Saúde).

1 Martins e Anelich, 2000.

2 Mosupye e von Holy, 1999.

3 Tomlins et al., 2004.

4 Bryan et al., 1997.

5 Mosupye e von Holy, 1999.

6 Tomlinset al, 2004

7 Ehiri et al., 2001.

8 Mensah et al., 2002

9 Graffham et al., 2005

10 Graffham et al., 2005

11 Kubheka et al., 2001

12 Mwangi, 2005

13 Masuku, 2005

14 Nago, 2005

15 Graffham et al., 2005

16 Graffham et al., 2005

17 Tomlins et al., 2004.

18 Nago, 2005.

19 Mensah et al. 2002.

20 Graffham et al., 2005.

21 Tomlins et al., 2004.

22 Mensah et al., 2001.

23 Mensah et al., 2002.

24 Umoh e Odoba, 1999.

25 Tomlins et al., 2004.

26 Ehiri et al., 2001.

27 FAO/WHO, 2003.

28 Nago, 2005.

29 Nago, 2005.

30 Franco, 2005.


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